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Medida Provisória altera o Marco Civil da Internet e estabelece regras para uso e moderação de plataformas on-line de mídias sociais. O presidente Jair Bolsonaro durante recepção ao presidente da Guiné Bissau em Brasília, em 24 de agostoAdriano Machado/ReutersA Medida Provisória que altera o Marco Civil da Internet e estabelece regras para uso e moderação de redes sociais publicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nesta segunda-feira (6) é problemática e pode ser considerada inconstitucional, segundo especialistas ouvidos pelo G1.O texto estabelece "direitos e garantias" aos usuários de redes sociais e define regras para a moderação de conteúdos nas redes sociais. Pelo texto, é necessário haver uma "justa causa" e "motivação" nos casos de "cancelamento ou suspensão de funcionalidades de contas ou perfis mantidos pelos usuários de redes sociais".Até então, a lei dizia que provedores de serviço na internet, como as redes sociais, não poderiam ser responsabilizados pelo conteúdo publicado nas redes.A MP pode ser questionada na Justiça, por meio de ação no Supremo Tribunal Federal. Do ponto de vista político, a MP pode ser confirmada ou derrubada no Congresso. Ela começa a tramitar na Câmara e depois é encaminhada para avaliação Senado. Se não for votada em até 120 dias (60 dias prorrogáveis por mais 60), perde a validade.Advogado comenta MP que altera Marco Civil da InternetContrária ao Marco CivilPesquisadores apontaram que o decreto vai contra o Marco Civil da Internet, lei que define regras sobre o uso da rede no Brasil. Francisco Brito Cruz, advogado e diretor do InternetLab, centro de pesquisa em direito e tecnologia, afirmou que essa é uma "medida muito problemática"."Redes sociais não poderão agir em casos de spam, assédio, bullying ou desinformação, pois o governo não considera isso justa causa. A liberdade de expressão ficará inviabilizada em um oceano de spam e conteúdos tóxicos", afirmou.Brito Cruz disse ainda que o trecho que proíbe as plataformas de moderarem conteúdo que, segundo a MP, "implique censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa", é genérica e "visa abrir espaço pra judicialização".Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), afirmou que o a MP muda muito do que está no Marco Civil, sem ouvir o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), estrutura multissetorial responsável por coordenar iniciativas relacionadas ao uso e funcionamento da internet no país."[Isso] torna a MP ilegal – porque conflita diretamente com lei já vigente; e é inconstitucional porque não cabe ao executivo promover esse tipo de regulação via MP", disse a pesquisadora.Yasmin disse ainda que o texto pode ser derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que isso poderia gerar mais um ponto de tensão entre os apoiadores de Bolsonaro e a corte.Ivar Hartmann, especialista em Direito Digital e professor associado do Insper, também afirmou que a MP é inconstitucional."Do ponto de vista formal processual é inconstitucional porque essa matéria não podia ser uma MP. Não tem nenhum fato novo, não tem nada urgente que justifique o uso de MP. Mas acho pouco provável que o STF, por exemplo, vá derrubar por causa disso"."Há incompatibilidade com a Constituição por estabelecer uma série de regras que afetam diretamente o exercício da liberdade expressão no país, inclusive criando certas decisões altamente subjetivas a serem tomadas pelas redes sociais no caso a caso", afirmou.O professor afirma que o texto diz que uma autoridade administrativa irá decidir se as decisões das redes sociais cumprem a MP. "Ou seja, o próprio Poder Executivo vai dizer se aquela remoção de conteúdo que a rede social fez era legal ou ilegal", afirma. "Isso por se só já é uma clara e grave inconstitucionalidade, porque coloca nas mãos do poder executivo determinar os limites. Isso daria um poder enorme para o Poder Executivo determinar os limites da liberdade expressão de brasileiros e brasileiras", completou.A advogada Bruna Santos, membro da Coalizão Direitos na Rede, que reúne ativistas e acadêmicos, apontou uma interferência da MP na iniciativa privada."Me aparenta ser inconstitucional dado que ela atua sobre a livre iniciativa e liberdade econômica dessas empresas para determinar o modelo de negócios e como elas atuam. Isso me parece uma interferência grande e relevante e que merece alguma atenção neste momento", afirmou.A Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) publicou em sua rede social que a medida objetiva "maior clareza quanto a 'políticas, procedimentos, medidas e instrumentos' utilizados pelos provedores de redes sociais para cancelamento ou suspensão de conteúdos e contas".A publicação diz ainda que a intenção da medida também é combater a "a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores".Ações da Justiça e das redes sociaisRecentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a suspensão de pagamentos a produtores de conteúdo de 14 canais investigados por propagação de informações falsas sobre as eleições brasileiras. Entre os canais e páginas compreendidas pela decisão estão algumas das principais redes de apoio a Bolsonaro (sem partido), como o canal Terça Livre, o Jornal da Cidade Online e o canal de Oswaldo Eustáquio, apoiador que chegou a ser preso na investigação sobre atos antidemocráticos. As redes sociais de Eustáquio foram bloqueadas nesta segunda.Bolsonaro criticou em lives e entrevistas a decisão do ministro do TSE, afirmando que a determinação foi parcial por retirar o repasse de dinheiro de páginas de direita que, segundo o presidente, não acreditam que o voto eletrônico seja plenamente confiável.Em abril, vídeos do presidente foram excluídos do YouTube após a plataforma atualizar os seus termos para proibir conteúdos que recomendassem o uso de hidroxicloroquina ou ivermectina para o tratamento ou prevenção da Covid-19 – remédios que não têm comprovação médica para a doença.SAIBA MAIS:YouTube derruba mais 4 vídeos onde Bolsonaro fala de remédios sem eficácia contra Covid, mas não suspende canalYouTube irá remover vídeos que recomendem cloroquina ou ivermectina para tratar Covid-19Outras redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter também já removeram posts de Bolsonaro por desinformação.RELEMBRE:Twitter apagou publicações Bolsonaro por violarem regras sobre Covid-19 em março de 2020Facebook e Instagram removeram vídeo de Bolsonaro em março de 2020Após bloqueio de blogueiro bolsonarista, secretário de Cultura diz que 'buscará esclarecimentos' do YouTube