Valor Econômico
Em sete meses, concessões de auxílio-doença equivalem a 54% de 2020. Até julho, foram 68.014 liberações, segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência A covid-19 foi a principal causa de afastamentos do trabalho acima de 15 dias e gerou o maior número de benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) nos primeiros sete meses de 2021, aponta reportagem do G1. Até julho, foram 68.014 concessões, segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência. O número já equivale a 54,5% das liberações para segurados com a doença em todo ano passado.Em 2020, a covid-19 foi a terceira maior causa de concessões de benefício por incapacidade temporária no país, ficando atrás apenas de problemas relacionados a coluna e ombro. No total, foram 37.045 liberações do antigo auxílio-doença devido à doença em 2019 — 1,6% do total de concessões do benefício em 2020, que foi de 2.341.029.O Ministério do Trabalho e Previdência não informou, até o fechamento desta reportagem, o número geral de concessões de auxílio-doença de janeiro a julho deste ano, por isso, não há como informar o que as 68.014 liberações representam em relação ao total.Sequelas devem levar a aumento de concessõesEspecialistas apontam que deve persistir a médio prazo o crescimento no número de concessões de benefícios por incapacidade por causa das sequelas decorrentes da covid-19. Caso essas sequelas resultem na incapacidade de trabalhar, os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contam com o recebimento do auxílio por incapacidade temporária. Mas é necessário comprovar que as consequências da covid-19 comprometeram a capacidade laboral.Há ainda a possibilidade de obter o direito à aposentadoria por invalidez, quando as sequelas resultam na incapacidade definitiva para trabalhar. Nesse caso, o auxílio-doença é convertido em aposentadoria. João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, afirma que há diversos tipos de sequelas trazidas pela covid-19. Um exemplo é o trabalhador passar a ter dificuldades motoras, como perda da força das mãos e no movimento das pernas. Outra situação é a perda cognitiva por conta de problemas neurológicos."O que vai caracterizar o direito ao recebimento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez não é a sequela em si, mas a incapacidade que ela traz para a sua função. Outros exemplos são um carteiro que perde a capacidade de respiração ou um enfermeiro que perde a mobilidade das pernas. A perícia deverá atestar que o trabalhador está incapaz de forma provisória ou permanente para exercer a sua função", explica Badari.Trabalhadores que são infectados pelo coronavírus e desenvolvem sintomas têm o direito de permanecer 15 dias afastados do trabalho. Deve ser apresentado atestado médico para a empresa. Caso o funcionário não se recupere após esse período, o pagamento da sua remuneração é suspenso pela empresa e ele passa a contar com o benefício por incapacidade temporária.Badari considera que o debate em torno das sequelas da covid-19 deve permanecer em evidência a médio prazo. "Mesmo que a pandemia esteja sendo atenuada, os reflexos dela nos trabalhadores se refletirão nos próximos anos. O número de infectados diminuiu, mas continua alto. E o número de incapacitados também. Encontramos trabalhadores, principalmente da área da saúde, que sofrem com a redução da capacidade de trabalho em razão de sequelas", diz.Nexo causalÉ importante analisar o nexo causal, ou seja, se o contágio tem relação com a atividade profissional. Nesse caso, o benefício seria de natureza acidentária, ou seja, relacionada ao trabalho.Caso não haja a presunção do nexo causal, deve-se avaliar a realidade enfrentada pelo trabalhador, como as medidas de segurança adotadas pela empresa, se há fornecimento de equipamentos de proteção individual, além das condições oferecidas para a atividade profissional neste contexto de pandemia. Nesses casos, cabe ao empregador comprovar que a doença não foi contraída em razão do trabalho.Em abril do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que os casos de contágio de covid-19 por trabalhadores podem ser enquadrados como doença ocupacional. No entanto, esse reconhecimento não é automático. O funcionário precisa passar por perícia no INSS e comprovar que adquiriu a doença no trabalho.Por ser mais difícil comprovar o nexo causal, o número de concessões de auxílio-doença por acidente de trabalho é pequeno perto do total. Em 2020, das 2.341.029 concessões, apenas 72.273 foram por acidente do trabalho.Como pedir o auxílio por incapacidadeA solicitação do auxílio deve ser feita por meio do site e aplicativo Meu INSS. É preciso apresentar o resultado de exames e laudos médicos que comprovem a incapacidade para retornar ao trabalho, além de passar pela perícia do INSS.O segurado também deve comprovar que está com as contribuições previdenciárias em dia, realizadas ao menos nos últimos 12 meses.Já para conseguir a aposentadoria por invalidez também são necessárias a comprovação da condição de perda permanente da capacidade laboral e a realização de perícia técnica.Trabalhador pode ser mudado de funçãoLeandro Madureira, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, afirma que é comum trabalhadores com sequelas de doenças retornarem ao trabalho em funções distintas das anteriores, por conta da incapacidade adquirida."Se a covid-19, por exemplo, gerou algum tipo de problema neurológico que fez com que um professor perdesse a voz, de modo que não tem mais condições de dar aula, ele pode ser reabilitado para exercer uma função administrativa e burocrática que não tenha a voz como principal meio de trabalho. A mera existência de sequela não gera direito ao auxílio-doença ou à aposentadoria por invalidez", aponta.Disputas judiciaisOs especialistas orientam que, caso seja negado pelo INSS a concessão do auxílio-doença ou a sua conversão na aposentadoria por invalidez, o trabalhador tem a opção de ingressar com ação na Justiça para obrigar a autarquia federal a conceder os benefícios."Para isso, o segurado deve apresentar todos os laudos, exames e relatórios médicos que demonstrem a incapacidade gerada pelo coronavírus", afirma Ruslan Stuchi, advogado previdenciário e sócio do escritório Stuchi Advogados.Outro tema que costuma ser motivo de disputas judiciais é o valor dos benefícios. O cálculo do auxílio-doença é feito a partir de um percentual de 91% do chamado salário de benefício, que corresponde à média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição.Já a aposentadoria por invalidez, desde a entrada em vigor da reforma da Previdência em novembro de 2019, é calculada a partir de um percentual de 60% da média dos salários de contribuição somada a 2% para cada ano de contribuição no caso de mais de 15 anos de contribuição acumulados para as mulheres, e de mais 20 anos para os homens. Assim, segurados que têm o benefício convertido na aposentadoria passam a receber uma quantia menor. Trabalhadores têm questionado a diferença na Justiça e obtido o direito de receber a aposentadoria por invalidez por meio do cálculo anterior à reforma, com base em 100% do salário de benefício, correspondente à média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição."A aposentadoria por invalidez é menor do que o auxílio-doença, ou seja, o benefício que é permanente se tornou mais desvantajoso do que o provisório. É inconstitucional tanto pelo retrocesso social como pelo princípio constitucional da isonomia. Você está desfavorecendo alguém que está em uma situação ainda pior que o outro", avalia o advogado João Badari.