Jesualdo Ferreira foi o pai da geração de técnicos em Portugal e dá sua versão para redescobrimento do Brasil

Por Redação em 07/01/2022 às 05:15:01

Cuidadoso para não parecer gato mestre, treinador demitido do Santos após quinze jogos diz que as estruturas do futebol brasileiro estão acomodadas. Não os treinadores nascidos aqui Jesualdo Ferreira é um dos treinadores estrangeiros que passaram pelo Brasil depois do sucesso de Jorge Jesus e que partiram rapidamente, sem serem tratados com o devido respeito. No Santos, trabalhou por quinze partidas. Caiu na liderança de seu grupo na Libertadores 2020 e com um empate e duas derrotas, somente três jogos após os quatro meses de paralisação pela pandemia.

O que pouca gente se lembra é que Jesualdo é o pai da geração portuguesa que une o conhecimento da universidade à prática dos treinamentos. Esta que está redescobrindo o Brasil. "Há dois tipos de treinadores. Os que levam o conhecimento dos jogos para os treinos e os que levam o conhecimento do estudo para os treinos. Eu consegui unir o que estudei e testar na prática dos treinamentos."

Sua carreira começou como coordenador do Benfica, em 1979. "Trabalhei com jogadores brasileiros por quarenta anos. Conheço o futebol do Brasil também por isso. Diziam-me que o jogador do Brasil não é sério. Mentira! É sério! Deem a ele um compromisso. Ele cumpre e é sério."

O que pode, então estar acontecendo de errado, no Brasil. Jesualdo é cuidadoso ao dar sua opinião. Respeitoso. Trata de não ser taxativo, nem definitivo. E só emite o que pensa a pedido do colunista. "As estruturas do futebol brasileiro estão acomodadas. Não os técnicos. As estruturas. Pense em um jogador. Ele sabe que se as coisas não vão bem, se a equipe não estiver jogando bem, o treinador vai sair em seis ou sete jogos. Sabe que é assim. Acomoda-se. A imprensa sabe que é assim, os dirigentes também. As estruturas estão acomodadas."

O diagnóstico não é simplista, como dizer que "os treinadores brasileiros estão ultrapassados e superados." Bobagem. Quer dizer que todos são a mesma coisa? Seria como dizer que todos os jornalistas são levianos ou todos os dirigentes são corruptos. Impossível generalizar. Jesualdo é mais reflexivo, seu pensamento é mais complexo. E faz sentido.

Como treinador, Jesualdo Ferreira inaugurou uma era impensável no século 20, de técnicos portugueses vencedores dos últimos 15 Campeonatos Portugueses. Aproximadamente 60% dos títulos, em Portugal, eram de treinadores estrangeiros. Desde o Porto, do holandês Co Adriaanse, em 2006, só há campeões nascidos na terrinha.

Jesualdo Ferreira ganhou pelo Porto em 2007, 2008 e 2009, Jorge Jesus pelo Benfica, em 2010, André Villas Boas pelo Porto em 2011, Vitor Pereira também pelo Porto em 2012 e 2013, o Benfica voltou a ganhar com Jorge Jesus em 2014 e 2015 e com Rui Vitória em 2016 e 2017, o Porto venceu com Sérgio Conceição em 2018 e 2020,o Benfica de Bruno Lage em 2019 e o Sporting de Rubem Amorim em 2021. O título deste ano está entre o Sporting e o Porto, ambos dirigidos por nativos -- Sérgio Conceição e Rubem Amorim.

Nenhuma grande liga da Europa foi dominada só por técnicos locais, como Portugal, nas últimas quinze temporadas. Guardiola, Ancelotti e Nico Kovac ganharam pelo Bayern, na Alemanha, José Mourinho venceu pela Internazionale, na Itália, Zinedine Zidane, Carlo Ancelotti e Diego Simeone ganharam na Espanha, com Real e Atlético, nenhum inglês é campeão na Inglaterra desde Howard Wilkinson, em 1992, pelo Leeds United.

Este sucesso dos portugueses, donos de 74 troféus em 30 países diferentes no século 21, deve-se ao fato de Portugal conseguir unir o conhecimento teórico à prática, pergunto a Jesualdo: "Aconteceu algo assim, de fato", responde Jesualdo Ferreira. "Mas é um trabalho de quarenta anos", conclui.

Santos demite o técnico Jesualdo Ferreira

No Brasil, não falta conhecimento. Falta estruturá-lo, fazer com que passe de geração a geração não apenas pelo instinto e pelo boca a boca. Também por meio de livros, como o recém-escrito por Abel Ferreira.

Conversar com Jesualdo Ferreira é uma aula. A ligação telefônica durou 47 minutos e o professor falou sobre o aumento das premiações em ligas da Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha... Sobre como isto só se permite com o excesso de jogos e com a diminuição dos tempos de treinos. Tratou do Brasil do ponto de vista geográfico, como é mais difícil a recuperação de quem viaja longas distâncias. A resenha com o ex-treinador do Santos nunca é rasa.

Mas a maior lição de Jesualdo Ferreira, um gentleman, é que nossas estruturas estão acomodadas. Não só os nossos treinadores.

Fonte: Globo Esporte/G1

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