Com nova meta de superávit, governo joga dúvida sobre responsabilidade fiscal

No quarto mês de vigência do novo Arcabouço Fiscal, o governo federal, por meio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, propôs reduzir as metas de superávit primário para as contas públicas no ano que vem e criou uma grande instabilidade na economia, sobretudo no mercado financeiro.

Por Redação em 19/04/2024 às 09:46:11

No quarto mês de vigência do novo Arcabouço Fiscal, o governo federal, por meio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, propôs reduzir as metas de superávit primário para as contas públicas no ano que vem e criou uma grande instabilidade na economia, sobretudo no mercado financeiro. No PLDO enviado à Câmara, o governo estimou que só alcançará superávit em 2027. Antes, a previsão era conseguir ficar no azul ainda em 2026.

No ano passado, ao apresentar a nova regra fiscal, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) havia prometido entregar superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano que vem e alcançar um resultado positivo de 1% do PIB já em 2026, último ano do atual mandato do presidente Lula.

Essas medidas incluídas no PLDO facilitarão mais gastos públicos em 2025 e 2026, o que deverá aumentar ainda mais a dívida pública nesse período, revelando as limitações do novo Arcabouço Fiscal. "O problema é que o Arcabouço Fiscal tem um conjunto de regras que são inconsistentes entre si. Quer dizer, quando você faz o arcabouço, prevê um certo crescimento do gasto entre 0,6% e 2,5%, mas com o arcabouço você revoga o teto de gastos. Então, várias indexações de gastos à receita retornaram, como Saúde e Educação, e se tem outros gastos que também são indexados à receita, como transferências, e tudo mais", explica o economista Marcos Lisboa.

As receitas vêm crescendo, mas as despesas estão aumentando num ritmo ainda maior. O governo está tentando fazer um ajuste nas contas públicas, mantendo o equilíbrio ao mesmo tempo em que abre espaço para novos gastos. Pode parecer pouco para o que foi defendido por Haddad, mas há de se ponderar que há dez anos o governo está na corda bamba nas contas públicas.

"O novo Arcabouço Fiscal é uma boa regra, mas o PLDO, dessa forma, foi um erro, porque, na verdade, com esses abatimentos em cima de um déficit primário projetado para o ano que vem, pelo próprio governo, a meta zero não representa um esforço igual a zero. O governo poderia entregar um déficit de quase R$ 40 bilhões e, ainda assim, estaria cumprindo a meta zero. Não é um bom sinal", avalia Felipe Salto, economista-chefe e especialista em Política Fiscal da Warren Rena.

Essa mudança de postura do governo levanta dúvidas sobre seu compromisso com a responsabilidade fiscal e a estabilização da dívida pública.

Marcos Lisboa, economista: “O problema é o seguinte: o Arcabouço Fiscal tem um conjunto de regras que são inconsistentes entre si ” (Crédito:Gabriel Reis)

Ao esmiuçar o projeto, integrantes da equipe econômica afirmaram que o governo 'sofreu um revés' no Congresso, com a Medida Provisória (MP) 1.202, editada em dezembro. Deputados e senadores não querem retomar a cobrança de contribuição sobre a folha de pagamento de 17 setores mais empregadores (a contribuição previdenciária patronal, de 20% sobre a folha, foi substituída por alíquotas de 1% a 4,5% sobre receita bruta), bem como colocar fim ao Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse).

"É irreal acreditar que o mundo político em geral, e o Poder Executivo em particular, irão assistir conformados à redução do gasto discricionário. Daí que, na ausência de medidas que tentem limitar o aumento do gasto obrigatório, chega-se a um momento em que o Executivo tem que escolher entre a manutenção da regra e o afrouxamento do gasto discricionário", opina Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central: “É irreal acreditar que o mundo político em geral, e o Poder Executivo em particular, irão assistir conformados à redução do gasto discricionário” (Crédito: Marco Ankosqui)

As projeções oficiais indicam uma redução no gasto discricionário (não obrigatório) do governo ao longo dos próximos anos, chegando à metade do nível atual em 2028. Isso ocorre devido ao crescimento contínuo das despesas obrigatórias e às restrições impostas pelo Arcabouço Fiscal.

Historicamente, o gasto discricionário acaba sendo priorizado, especialmente em anos eleitorais, o que compromete ainda mais o novo regramento fiscal.

"O principal benefício de qualquer regra fiscal é estabilizar as expectativas sobre a trajetória de longo prazo da dívida pública. Mudar interpretações ao sabor das conveniências, ainda que possam parecer apenas esperteza política para garantir algum ajuste fiscal frente ao risco de outras opções de enfraquecimento mais drástico no arcabouço, tem como resultado a perda de credibilidade da regra", defende Marcos Lisboa.

Clima desfavorável faz governo não optar por novos aumentos de receitas (Crédito:Zeca Ribeiro)

Despesas maiores

As metas fiscais para 2025 e 2026 não estão alinhadas com a trajetória de superávit. As projeções indicam um resultado negativo para esses anos, mas a reconciliação entre o resultado e a meta é feita pela exclusão de parte dos pagamentos de precatórios, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.

"A gente sempre colocou os riscos, desde ano passado, de que na sua construção, o arcabouço tinha falhas importantes, especialmente a dependência muito grande da arrecadação. Havia a necessidade de R$ 350 bilhões até 2026 para fechar a conta de 1% do superávit primário. Era praticamente impossível alcançar isso, e a gente está vendo o resultado disso agora", declara o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.

As contas públicas estão sujeitas à regra básica de que, enquanto os gastos forem maiores que a arrecadação, a dívida continuará aumentando. A dívida pública brasileira atingirá seu pico em 2027, chegando a 79,7% do PIB, de acordo com o Tesouro. No entanto, há projeções de que esse percentual seja ainda maior em 2030. A escalada da dívida é preocupante e dificulta o aumento dos investimentos e a confiança na administração.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena: “Entendo que o novo Arcabouço Fiscal é uma boa regra, mas o PLDO, dessa forma, foi um erro” (Crédito: Marco Ankosqui)

• O governo tem buscado ampliar a arrecadação por meio do aumento de impostos, mas essa estratégia tem limites. Será difícil obter apoio político para novos impostos ou o aumento dos existentes.

• Diante desse cenário, seria esperado que o governo apresentasse um plano consistente para reduzir os gastos de forma necessária. No entanto, há sinais de que essa não é a intenção.

• A recente decisão de antecipar um gasto extra de R$ 15,7 bilhões mostra que o governo está flexibilizando as regras fiscais. Isso pode trazer alívio imediato, mas os problemas retornarão posteriormente.

"Isso pode aumentar o pessimismo dos mercados e reduzir os investimentos no Brasil", afirma o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Há ainda a preocupação com a trajetória dos gastos obrigatórios, sobretudo das despesas previdenciárias e assistenciais, que são atreladas ao salário mínimo.

Para 2025, o governo projetou na LDO o valor de R$ 1.502 para o mínimo, com uma alta de 6,37%. "O governo terá que rever todo o seu planejamento de meta e a gente vai ter déficits sequenciais nos próximos anos, inclusive nesse ano, o que coloca a questão de que o regime fiscal terá que ser reconstruído a partir do próximo governo", alerta Vale.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados: “A gente sempre colocou os riscos, desde ano passado, de que na sua construção, o Arcabouço Fiscal tinha falhas importantes” (Crédito:Divulgação )

"Não se pode dizer que se trata de uma enorme surpresa. Pelo contrário, toda e qualquer regra que tente conter a despesa primária total no País por meio de algum limite geral ao seu crescimento (no máximo a inflação, como era com o antigo teto de gastos, ou uma banda determinada pela evolução das receitas, como prevê o novo Arcabouço Fiscal) acaba levando, cedo ou tarde, à colisão entre a expansão contínua dos gastos obrigatórios — determinada pela demografia, leis, política de salário mínimo etc. — e o ritmo imposto à despesa total", expõe Schwartsman.

Quanto mais o Estado deve, maior é a dúvida sobre sua capacidade de pagamento. Assim que a mudança nas metas fiscais foi anunciada, os juros de longo prazo subiram, dificultando o objetivo de aumentar a taxa de investimento na economia, que ficou em 16,5% no ano passado, abaixo da necessidade de 25%.

"Já deveríamos ter aprendido que a visão de curto prazo pode trazer alívio imediato, mas os problemas retornam com mais força posteriormente. O País precisa aumentar os investimentos, o que depende da confiança no governo. Para que haja queda nos juros de longo prazo é necessário reduzir a dívida pública, o que exige coragem para cortar gastos. Esse é o caminho, não há soluções mágicas", afirma o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Momento errado

Além disso, o mercado está preocupado com a crise no Oriente Médio, o que é especialmente ruim para o governo Lula.

Existem vários problemas se acumulando.

• O preço do petróleo também subiu bastante.
• A Petrobras está sem presidente do Conselho de Administração, e o presidente executivo está sendo contestado por ministros do próprio governo.
• Outros problemas também estão afetando o Brasil, como a alta do dólar.
• Recentemente houve o vencimento de títulos atrelados ao dólar que foram emitidos em 1997. Quando esses títulos venceram, os bancos precisaram comprar dólar no mercado.
• Além disso, a balança comercial e a safra estão mais fracas este ano.

O exportador não está lucrando com a valorização do dólar. Com o preço do petróleo chegando a US$ 90 e o dólar a R$ 5,26 — maior patamar em mais de um ano — a pressão por um reajuste nos preços dos combustíveis aumenta. Os preços internos estão defasados e, se o preço do petróleo subir, mesmo que temporariamente, no curto prazo a situação só vai piorar. Isso vai colocar o governo em apuros.

A classe média, que possui carros, já está sentindo os impactos, e manter os preços como estão vai afetar negativamente a Petrobras.

Não se trata apenas de discutir se haverá ou não dividendos extraordinários na estatal, mas sim que haverá menos dividendos para distribuir.

Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda: “Isso pode aumentar o pessimismo dos mercados e reduzir os investimentos no Brasil” (Crédito:Marco Ankosqui)

Fonte: Isto É

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