O governo federal estima que a arrecadação do governo atingirá, em 2025, o maior patamar em 15 anos – ou seja, desde o fim do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010.
A informação consta na proposta de orçamento do ano que vem, enviado ao Congresso Nacional na semana passada.
A comparação, considerada mais apropriada por economistas, leva em conta a receita corrente líquida na proporção com o Produto Interno Bruto (PIB).
A receita líquida é o que sobra para o governo da arrecadação após as transferências a estados e municípios.
De acordo com a projeção incluída na proposta do Orçamento de 2024, já enviada pelo Ministério da Fazenda ao Congresso, as receitas líquidas deverão atingir 19% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025.
A receita líquida projetada no orçamento de 2025 é a segunda maior da série histórica do Tesouro, que tem início em 1997.
Fica abaixo apenas do recorde registrado em 2010 — quando somou 20,2% do PIB.
Esse patamar está bem acima da média da série histórica, entre 1997 e 2023, de 17,7% do PIB.
Alta da arrecadação
O aumento da arrecadação no terceiro mandato do presidente Lula aconteceu após uma série de medidas para incremento das receitas.
Veja abaixo as medidas já adotadas
Retomada a tributação sobre combustíveis;
Volta da regra que favorece o governo em casos de empate no Carf, órgão colegiado responsável pelo julgamento de recursos de empresas multadas pela Receita Federal
MP que altera de tributação de incentivos (subvenções) concedidos por estados sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
Tributação de "offshores" e dos dos chamados fundos exclusivos;
Taxação do mercado de apostas eletrônicas em jogos esportivos;
Taxação de encomendas internacionais;
Confira novas propostas pelo Congresso, com aval do governo, para compensar a desoneração da folha (ainda não aprovadas)
repatriação de recursos no exterior;
atualização do valor de bens imóveis no Imposto de Renda.
Medidas anunciadas nas últimas semanas, ainda não aprovadas
Aumento na Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), tributo que incide sobre o lucro das empresas;
Incremento de 15% para 20% no Imposto de Renda incidente sobre os Juros sobre Capital Próprio (JCP) das empresas — uma forma de distribuição de lucro, que incide sobre o acionista;
Medidas que a área econômica indicou que deve enviar
Taxação de grande empresas de tecnologia, conhecidas como "big techs", como Apple, Google e Microsoft;
Implementação do Pilar 2 da OCDE, que estabelece tributação global mínima de 15% para empresas multinacionais (não somente big techs).
Além de medidas legislativas, o governo Lula também tem contado com o crescimento da economia brasileira para impulsionar a arrecadação. Com maior nível de atividade, sobe também a arrecadação de tributos.
Em 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 2,9%, segundo o IBGE. O resultado veio bem acima dos 0,78% de alta estimados pelo mercado financeiro no começo do ano passado.
No segundo trimestre de 2024, o PIB cresceu 1,4%, surpreendendo novamente. Com isso, analistas já estão ajustando suas projeções de crescimento para um valor próximo de 3% neste ano. No começo de 2024, a projeção do mercado era de uma alta de 1,6%.
Diante da economia forte e das medidas propostas pelo governo, e aprovadas pelo Legislativo, a arrecadação federal vem mostrando força e batendo recordes sucessivos neste ano. Na parcial até julho, somou R$ 1,55 trilhão (marca histórica).
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que a arrecadação de agosto, ainda não divulgada oficialmente, também registrou bom desempenho.
"Estamos aí com uma recuperação muito forte na arrecadação. Em agosto, tivemos novamente um excelente resultado na arrecadação. Obviamente, ainda não é público não posso dizer os números", declarou ao g1.
Mesmo assim, para cumprir a meta fiscal de 2024, o Tesouro Nacional informou que podem ser necessárias novas medidas de arrecadação — ainda não divulgadas.
Posição do governo
De acordo com Rogério Ceron, do Tesouro Nacional, o bom resultado do PIB no segundo trimestre deste ano tende a elevar a projeção de crescimento da economia em 2025, atualmente em 2,6%, o que implicaria na queda da estimativa atual da despesa com o PIB - atualmente em 19%.
Mesmo assim, ele defendeu o processo de elevação de tributos, chamado pela área econômica de "recomposição de receitas". "É necessário, tem de ser recomposto, é um governo tem como a agenda recomposição de políticas sociais, o que exigiu ali uma recuperação do orçamento", declarou ao g1.
Segundo ele, a recomposição de arrecadação visa equilibrar as contas públicas, e não aumentar o tamanho do Estado.
Ceron lembrou que as despesas totais estão estimadas em 19,3% do PIB para 2025 e que, limitadas pelo arcabouço fiscal (que traz um teto para seu crescimento), elas devem ficar próximas disso (ou até abaixo) nos próximos anos.
Entre 2015 e 2019, as despesas totais ficaram, na média, em 19,5% do PIB.
A média da série histórica, que começa em 1997, de 17,5% do PIB.
"Esse ajuste da receita busca garantir o equilíbrio fiscal. Não que ele está sendo necessário para suportar, o que muitas vezes se diz por aí, um excesso de gastos ou um incremento substancial dessa despesa pública", afirmou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.
Apesar de todas as medidas anunciadas nas últimas semanas de incremento da arrecadação, como alta na CSLL, nos juros sobre capital próprio, da taxação de big techs e demais multinacionais, o secretário afirmou que o processamento e indicação de novas propostas de alta de impostos estão próximos do fim.
"O processo de recuperação fiscal para atingir esse equilíbrio, nós estamos próximos dele. Não exige um grande passo para a gente atingir, em termos de esforço, como proporção do PIB. Estou falando de ajustes é menores agora para chegar até chegar lá (...) A gente está já está se aproximando do equilíbrio. Então, eu acho que não está chegando nesse ponto. Então, não vai exigir tanto esse avanço [de novas medidas de arrecadação]", disse o secretário do Tesouro Nacional.
Críticas de economistas
Desde o ano passado, economistas ouvidos pelo g1 têm criticado o foco do governo, no ajuste das contas públicas, no aumento da arrecadação.
Para eles, a equipe econômica também tem de se concentra no outro pilar que possibilitará uma melhora da contas públicas — o corte de gastos.
Entre as propostas, estão:
Redução de gastos com servidores, por meio de uma reforma administrativa
Contenção de gastos previdenciários, por meio de uma nova reforma da Previdência
Reforma de gastos sociais
Mudanças ou o fim do abono salarial
Revisão de vinculações, como o piso da saúde e educação à receita, e dos benefícios previdenciários e assistenciais ao salário mínimo
"A agenda imperativa de ajuste pelo lado do gasto é bastante conhecida, falta vontade e convicção [do governo] em conciliar responsabilidade fiscal e social", afirmou o economista Gabriel Leal de Barros, da ARX Investimentos.
A agenda de cortes de gastos também buscaria evitar o impacto em políticas públicas. O temor, já informado pelo g1, é que o espaço para gastos livres do governo acabe nos próximos anos.
No mês passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou para o risco de "shutdown" (paralisação) da máquina pública até 2028, com o crescimento das emendas impositivas e dos mínimos constitucionais para saúde e educação.
Até o momento, a equipe econômica tem atuado, principalmente, na revisão dos cadastros do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) e do auxílio-doença, entre outros. O objetivo é limitar o pagamento dos benefícios a quem tem direito, diminuindo as fraudes.
Segundo analistas, entretanto, essa revisão têm fôlego curto.
"Medidas de combate à fraudes, aumento da fiscalização são bem-vindas. Mas isso tem fôlego curto. Resolve um ano, dois anos. Não é algo mais persistente, permanente. A gente vai ter que em algum momento, acho que vai ficar para um próximo governo, falar de 'revincular'. Ter vinculações mais compatíveis com o equilíbrio fiscal, e que façam sentido para as políticas públicas", declarou Bráulio Borges, pesquisador do do FGV Ibre, ao g1.