O passeio de Zanin: advogado de Lula vira ministro do Supremo

Por Redação em 23/06/2023 às 10:20:35

Em uma sabatina morna, sob elogios de bolsonaristas e questionamentos amigáveis da maioria dos senadores, Cristiano Zanin Martins se tornou, na quarta-feira, 21, o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) para ocupar a vaga deixada por Ricardo Lewandowski, em abril deste ano, quando se aposentou. O advogado de Lula na Lava Jato, e responsável por tirar o presidente da cadeia em 2019, habilitando-o à disputar o terceiro mandato, foi aprovado com 58 votos favoráveis e 18 contrários no plenário do Senado. É o maior placar entre os últimos cinco ministros que chegaram a Suprema Corte.

Foi um passeio de Zanin na sabatina, que durou quase oito horas, mas sem nenhum questionamento mais duro.

O clima foi tão favorável a ele que, antes mesmo de terminar a sessão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por volta das 18h, o presidente da bancada que o inquiria, o senador Davi Alcolumbre (União-AP), da base aliada de Lula, já havia encaminhado o nome do jurista para votação no plenário.

A sabatina começou às 10h e 33 senadores se inscreveram para questioná-lo. Normalmente, as arguições servem apenas para referendar a escolha do presidente da República, mas, nos últimos anos, com a intensa polarização política e o aumento do protagonismo do Congresso, as reuniões na CCJ para os cargos de ministros do STF se tornaram bastante acaloradas.

Com Zanin, no entanto, não foi o que aconteceu. Até mesmo senadores da oposição, como Damares Alves (Republicanos-DF), elogiaram o advogado lulista.

Esperava-se que o encontro pudesse reavivar algumas rusgas que Zanin tem com parte do Congresso, sobretudo a ala do Senado que defende as investigações e resultados da Operação Lava Jato, mas nem esse embate foi promovido. Até Sergio Moro (União-PR) foi condescendente com o indicado pelo presidente petista.

O ex-juiz da Lava Jato que condenou Lula, afirmou que respeitava o currículo do advogado, embora se posicionasse contra a escolha, por entender que aprovação de Zanin traria "riscos à independência do Supremo".

O motivo manifestado por Moro para rejeitar Zanin foi o mesmo de boa parte da oposição que votou contra o seu nome.

Como se sabe, o advogado do presidente nas ações relacionadas à Operação Lava Jato, que condenaram Lula à prisão, deixando-o 580 dias na cadeia, foi o responsável pelo processo que acabou livrando o presidente das condenações por corrupção a que foi submetido na 13ª Vara Federal do Paraná, que, à época, estava sob competência de Moro.

Foi o advogado que conseguiu, ainda, provar junto ao STF a parcialidade de Moro e dos membros do Ministério Público Federal nas investigações contra o petista, o que nunca foi digerido pelos lavajatistas e pelos opositores do PT.

O senador e ex-juiz Sergio Moro teve que engolir a aprovação de Zanin para o STF (Crédito:Ton Molina)


Conflito de interesses

Essa proximidade com Lula fez vários senadores da oposição perguntarem o que Zanin pensa sobre um possível impedimento dele para julgar ações no STF que possam estar relacionadas ao presidente ou mesmo ao PT.

O novo ministro não fugiu do questionamento. Disse que não se subordinaria à ninguém, exceto à Constituição. Também afirmou que se declararia impedido em processos que fossem relacionados às causas onde atuou como advogado, mas que avaliaria, à luz da legislação, se deveria se afastar de futuras ações contra ex-clientes.

"Evidentemente, em todos os processos em que eu tenha atuado como advogado, não poderei, se aprovado for por esta Casa, julgar esses processos no STF. Isso é muito claro, e não há dúvida de que deverei seguir esse impedimento. Em relação a impedimentos ou suspeições futuras, seguirei com muito rigor. Evidentemente, terei que analisar o conteúdo do processo, saber qual é o tema em discussão, as partes envolvidas e aplicar exatamente o que diz a lei", afirmou.

Zanin não passou por funções públicas

Outro ponto de divergência entre os opositores foi o fato de Zanin nunca ter ocupado funções públicas, pulando da advocacia diretamente para uma vaga na principal Corte do País. Outros membros do STF, na atual composição, que também eram advogados, passaram ao menos pela Advocacia-Geral da União, tais como André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Edson Fachin, por exemplo, chegou a ser procurador no Paraná, por 16 anos.

Já para os governistas, isso não foi considerado suficiente para impedi-lo de ser indicado para o Supremo. "Sempre me pautei pela lisura, pela defesa do Estado Democrático de Direito. Sei a distinção entre advogado e um ministro do STF. Não vou mudar de lado. O lado da Constituição Federal, das garantias, do devido processo legal. Só existe um lado. O outro é barbárie, abuso de poder", enfatizou.

Ao longo da sabatina, Zanin tergiversou sobre a maioria dos assuntos trazidos pelos senadores. Na maior parte das respostas, evitou o confronto e limitou-se a dizer que não poderia comentar os assuntos de forma aprofundada, pois eles poderiam ser temas de julgamentos no STF, o que lhe levaria diretamente à suspeição e ao impedimento para participar de tais análises.

Mesmo de forma rasa, foi possível ouvir o que pensa o ministro sobre assuntos que podem ser de interesse da sociedade brasileira.

Um dos melhores momentos de Zanin foi ao defender a união civil de pessoas do mesmo sexo, que hoje é amparada apenas pelo entendimento do STF sobre o tema, sem haver uma lei específica que regulamente a prática no país. A fala veio depois de um questionamento do senador Fabiano Contarato (PT-ES). "Eu respeito todas as formas de expressão de afeto e amor. Isso é um direito individual. É um direito fundamental as pessoas poderem, da sua forma, expressar afeto e amor. Isso tem que ser respeitado pela sociedade e pelas instituições", disse Zanin.

Aborto e drogas

O senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC) questionou Zanin a respeito do posicionamento do futuro ministro sobre o aborto. Para a ala conservadora do Congresso, esse ainda é um tema bastante caro. Zanin afirmou que "o direito à vida está expressamente previsto na Constituição. É uma garantia fundamental. Nessa perspectiva, temos que enaltecer o direito à vida, porque aí estamos cumprindo o que diz a Constituição".

Outro ponto recorrente foi em relação ao posicionamento do novo ministro em relação ao combate às drogas. Sem entrar no mérito, já que o STF está se debruçando atualmente sobre a legalização do porte de drogas ilícitas, disse ver com otimismo as mudanças feitas pelo Congresso a respeito da diferenciação entre usuários e traficantes, mas pontuou que eventuais mudanças nesse tema, assim como no aborto, devem ser definidas pelos parlamentares e não pelo Judiciário.

Cartas marcadas

Na história republicana, as sabatinas e votações do Senado para o STF se tornaram apenas uma espécie de validação da vontade do presidente da República.

Até hoje, apenas cinco nomes foram rejeitados, todos na gestão do Marechal Floriano Peixoto. À época, as indicações eram ainda mais abertas, pois previam que os ministros deveriam ter apenas "notório saber", sem indicar a área.

Com isso, o então presidente indicou, por exemplo, o médico Barata Ribeiro para o posto.

Fonte: Isto É

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