Em nota, a defesa de Trevor Maloney diz que as declarações dadas pela mãe das crianças são inverĂdicas.
MPF pede que irmãs levadas para a Irlanda voltem ao Brasil
Um caso mobiliza autoridades no Brasil e na Irlanda – a disputa pela guarda de duas irmãs, de 4 e 6 anos. A mãe, brasileira, acusa o pai, irlandĂȘs, de cometer abusos sexuais contra as filhas. Ele, que nega todas as acusações, conseguiu, depois de quatro anos de batalha judicial, levar as meninas para Irlanda. O Ministério PĂșblico Federal (MPF) entrou com pedido para que elas voltem imediatamente para o Brasil.
Raquel Cantareli é brasileira e mãe das duas meninas. Ela se mudou para Irlanda em 2014 para fazer um trabalho voluntĂĄrio e, lĂĄ, conheceu Trevor Maloney. Raquel relata que, logo no inĂcio, desconfiou do comportamento que o companheiro tinha com a filha de cinco anos -- fruto de outro relacionamento e chegou a encerrar a relação, mas logo descobriu que estava grĂĄvida. Eles reataram o relacionamento e Raquel se mudou para a casa de Trevor – e ela relata que foi nesse momento que as suspeitas se intensificaram.
"Em alguns momentos eu cheguei a vĂȘ-lo massageando as partes Ăntimas dela, de uma forma que a gente sabe que não é normal, não é a maneira correta de vocĂȘ higienizar uma criança. Ele sempre fechava a porta do banheiro nesses momentos. Eu sempre passava e tentava ficar de olho. Nesses momentos quando essas coisas aconteciam, é muito difĂcil. A gente falando hoje em dia a gente acha tão fĂĄcil de perceber o que estava acontecendo. Mas na hora é como se vocĂȘ não quisesse acreditar", conta Raquel.
Depois do nascimento da filha, as situações passaram a acontecer com a menina ainda bebĂȘ. "Ele sempre encostava a porta e quando eu abria a porta, com rapidez, eu conseguia ver a boca dele nessa parte aqui dela. Eu questionava ele, claro, dizia por que ela ainda tĂĄ sem fralda? Por que vocĂȘ tĂĄ demorando tanto? E ele dizia 'come on, we are just playing', a gente só tĂĄ brincando, e eu dizia "mas por que vocĂȘ tĂĄ brincando com ela no trocador sem a fralda?"
Segundo Raquel, depois de ser forçada a ter relações com Trevor, ela engravidou novamente. Após o nascimento da segunda filha, ela conta que um evento durante a madrugada foi a gota d'ĂĄgua. "Ele tava de frente pra ela, ela sentada no trocador, ele tava somente de cueca, ele tinha uma ereção, E ele tampando a boca da minha filha. Eu peguei a Julia e ela chorava de soluçar. Se eu tinha alguma dĂșvida, essa noite todas as coisas se encaixaram e eu tive certeza do que estava acontecendo", pontua.
Raquel tentou pedir ajuda a algumas instituições de emergĂȘncia na Irlanda, sem sucesso. Foi só em uma consulta de rotina da filha, semanas depois, que ela conseguiu relatar o que aconteceu naquela noite ao serviço médico irlandĂȘs.
Trevor chegou a ser questionado por autoridades locais. Por falta de provas, essa investigação foi arquivada. Raquel afirma que a partir desse momento, o marido se tornou cada vez mais agressivo
Raquel acionou a PolĂcia Federal no Brasil. O relatório de uma perita criminal federal atesta que mesmo "sem indĂcios fĂsicos de abuso sexual", o comportamento da filha mais velha "demonstra fortes indĂcios de abuso".
A Embaixada do Brasil em Dublin também tomou conhecimento do caso. Por telefone, Raquel relatou que Trevor a ameaçou e reteve o passaporte dela e das filhas, além de mantĂȘ-la em cĂĄrcere privado. Um representante consular viajou à cidade onde Raquel e as filhas estavam. Em seu relatório, o vice-cônsul Gabriel Neves descreveu que foi solicitada proteção policial e a embaixada também emitiu novos passaportes.
Desde setembro de 2019, Raquel morava no Rio de Janeiro com as filhas. Trevor procurou autoridades irlandesas e brasileiras para denunciar a ex-mulher por sequestro internacional de crianças.
Mesmo antes de Raquel deixar a Irlanda com as filhas, Trevor jĂĄ negava os abusos sexuais. Na audiĂȘncia em que a justiça concedeu a guarda das meninas a ele, Trevor afirmou que não fez nada do que a esposa relatou e que nunca foi agressivo com ela.
Trevor acionou a Convenção de Haia, um tratado internacional assinado pelo Brasil. O documento considera sequestro internacional quando uma criança ou um adolescente é retirado de seu paĂs de residĂȘncia habitual sem autorização de um dos genitores, seja o pai, seja a mãe.
O pai das meninas, então, pediu na Justiça que as crianças fossem levadas de volta para a Irlanda. A Defensoria PĂșblica da União – que defendia Raquel – confirmou no processo que a mãe havia deixado a Irlanda sem autorização do marido, mas com o objetivo de proteger a integridade fĂsica das meninas, vĂtimas de abuso sexual.
A Defensoria pedia que a Justiça Federal levasse em consideração uma exceção do tratado internacional. O artigo 13B desobriga autoridades a devolver crianças quando hĂĄ risco de elas serem expostas a perigos de ordem fĂsica, psĂquica, ou de ficarem em situação intolerĂĄvel no paĂs de origem.
Em primeira instância, a Justiça Federal viu risco no retorno das meninas à Irlanda e autorizou que elas continuassem no Brasil. Na decisão, a juĂza federal afirma que foi configurada a hipótese de risco e que cabe usar a exceção descrita pelo Tratado de Haia. Segundo a decisão, a saĂda de Raquel da Irlanda foi uma operação de resgate. A juĂza também afirma que a privação do convĂvio com a mãe traria riscos para as meninas. A defesa de Trevor recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF).
O Ministério PĂșblico Federal foi a favor de manter as crianças no Brasil. Em dezembro de 2022, por 3 votos a 2, o TRF teve um entendimento diferente da juĂza em primeira instância e do MPF. No julgamento, os desembargadores não viram provas suficientes que confirmassem os abusos e o risco para as crianças. Eles decidiram que Raquel não poderia ter viajado para o Brasil sem autorização e determinaram o retorno imediato das meninas para a Irlanda.
Seis meses depois, com todos os recursos de Raquel e do MPF negados, foi expedida a busca e apreensão. Trevor viajou para o Brasil para buscar as filhas, que foram entregues a ele pelos policiais. Foi a Ășltima vez que Raquel teve contato com elas. Na semana passada, o MPF entrou com um novo recurso pedindo o retorno das meninas para o Brasil.
Outro lado
Os advogados de Trevor no Brasil não quiseram dar entrevista. Em nota, a defesa diz que as declarações dadas pela mãe das crianças são inverĂdicas. Afirma que "ela alega falsamente abuso e violĂȘncia, sendo que nenhuma de suas acusações infundadas, após ampla investigação, foram comprovadas perante a Justiça irlandesa e os órgãos de proteção à criança e à famĂlia".
O comunicado diz ainda que Trevor "foi inocentado de todas as acusações falsas". Para os advogados, a decisão do Tribunal Regional Federal "deixou claro que Raquel não conseguiu provar o que alegou à Justiça. A defesa afirma também que "uma das crianças, a que a mãe alega ter sido vĂtima de abuso, foi submetida a exame de corpo de delito, que nada apontou e não constatou nenhum abuso".
Em outra nota, os advogados alegam que Trevor não deve satisfações a ninguém e não precisa ser defendido de coisa alguma. Afirmam ainda que ele foi caluniado, injuriado e difamado, foi investigado, mas conseguiu fazer prevalecer a verdade. Por fim, a defesa explica que a Justiça brasileira reconheceu que a Justiça irlandesa é a competente para decidir e julgar as questões de guarda e convivĂȘncia. E que as questões sobre guarda e convivĂȘncia serão tratadas na Irlanda, pelo advogado irlandĂȘs do pai, que darĂĄ as orientações que entender pertinentes ao seu cliente