Em 2021, o futebol barrou a Superliga, mas fez pouco para conter a desiguladade

Por Redação em 30/12/2021 às 16:52:31

Em 2021, Messi se juntou a Neymar e Mbappé no Paris Saint-Germain. O time ainda não formou um coletivo tão encantador quanto faria a crer a reunião de três talentos deste tamanho. No entanto, uma vez desvinculado do Barcelona, a forma como se desenhou o destino do maior jogador do mundo neste século evidenciou um futebol cada vez mais fraturado, com riquezas concentradas. Estava claro que o argentino era acessível a pouquíssimos; não foi surpresa quando assinou com o clube controlado pela família real do Qatar.

Mas a transferência de Messi não é o único dos tantos sinais que o futebol emite, dia após dia, de seu crescente desnivelamento, de sua divisão entre centro e periferia. Este 2021 foi o ano em que os mais ricos da Europa tentaram impor a Superliga, símbolo de uma elite rica disposta a se fechar num clube restrito. A ideia fracassou, mas a desigualdade do jogo se apresenta a nós sob as mais diversas formas. Até em uma simples eleição feita por um jornal.

Messi, Neymar e Mbappé, de mãos dadas, cumprimentam torcida do PSG após vitória sobre o Manchester City

Matthias Hangst/Getty Images

Ao final de cada ano, o inglês “The Guardian” aponta os 100 melhores jogadores do mundo. É possível olhar a iniciativa como apenas mais uma das tantas listas que cruzam nosso caminho em dezembro. E de fato é. Mas incorporamos de forma tão natural a concentração de riquezas do futebol atual que, por vezes, naturalizamos dados extremamente simbólicos de uma era do futebol. Dos 100 mais votados, 96 atuam nas cinco principais ligas do mundo – Inglaterra, Alemanha, Espanha, França e Itália. Ou seja, quase todos os maiores talentos do mundo são acessíveis a times de apenas cinco países. E mesmo nestas ligas há uma clara divisão entre os mais e os menos ricos: há apenas dois clubes franceses representados, quatro alemães e cinco espanhóis. Ou seja, nestes três campeonatos, menos de um quarto dos clubes têm acesso aos maiores craques da atualidade. A Itália tem oito clubes representados e a Premier League tem nove. Em ambas, menos da metade.

Todos os 86 primeiros colocados são jogadores do chamado grupo das Big Five, as cinco ligas mais ricas. Os 100 eleitos reúnem jogadores de apenas 31 clubes, sediados em somente oito países do mundo. E só um atua fora da Europa: Julián Álvarez, do River Plate, o 91º colocado. Com um detalhe: no grupo dos 50 melhores do planeta, de acordo com o “The Guardian”, só 13 clubes têm representantes.

O futebol está longe de encontrar mecanismos para fazer o fenômeno recuar. A primeira fase da Liga dos Campeões é cada vez mais previsível. A Alemanha vê o Bayern caminhar para seu decacampeonato, o Manchester City lidera o Inglês em busca do quarto título em cinco anos. Os principais campeonatos da europa viram, em três décadas, a pontuação do campeão aumentar continuamente: cerca de 15% na Inglaterra e 20% na Alemanha, considerando a média dos campeões por períodos de dez anos, segundo levantamento do "The Independent".

Voltando à votação do "Guardian", o resultado da primeira edição, em 2012, já registrava um futebol partido entre dois mundos. Ainda assim, a comparação mostra como o processo é contínuo. Na ocasião, os 100 escolhidos atuavam por 35 clubes de 12 países - quatro clubes e quatro países a mais do que na eleição atual. Neymar, então no Santos, embora já tivesse compromisso com o Barcelona, colocava o Brasil na parte alta da lista: foi o 13º.

Destes 100 eleitos de 2012, aliás, quatro jogavam fora da Europa: além de Neymar, o uruguaio Diego Forlán, então no Internacional, foi o 99º colocado; já o corintiano Paulinho ficou na 100ª posição. Didier Drogba, então no futebol chinês, foi o 49º.

É possível argumentar que a lista, elaborada por um jornal inglês, tem certa dose de eurocentrismo. Seria um bom ponto, não fosse o método da escolha. O jornal selecionou um júri de 219 pessoas, entre jogadores, técnicos e jornalistas de todos os continentes. Dos 194 jornalistas que votaram, 65 não são europeus. Ou seja, a lista reproduz algo que é o mais importante efeito colateral da concentração de riquezas e talentos nos principais clubes do mundo: mais do que a avaliação da qualidade dos jogadores, fica clara a forma como o jogo é percebido globalmente, como um produto de duas realidades distintas. O sucesso, a afirmação na elite europeia são uma espécie de chancela. O brilho em ligas da periferia é visto como um feito menor, um argumento frágil para inserir alguém na elite do futebol.

Sequer de indução os responsáveis pela votação podem ser acusados. Cada jurado recebeu uma lista com 300 jogadores, dos quais 35 atuam em ligas de fora da Europa. O Campeonato Brasileiro, aliás, tinha dez pré-indicados. Nenhum deles foi bem votado. A questão, além do óbvio abismo na percepção e na qualidade entre o futebol jogado nas principais ligas do mundo e nos torneios periféricos, é também a visibilidade. O fato é que torneios como o Brasileirão são vistos por uma fração insignificante dos espectadores dos cinco campeonatos mais ricos da Europa.

A desigualdade vai condicionando o jogo em todos os seus níveis, da concentração de dinheiro, mais adiante de talentos, até a redução da importância e da visibilidade de tudo o que acontece na periferia. Neste 2021 que se aproxima do fim, o futebol fez muito pouco para deter o impacto mais duro da globalização no jogo.

Fonte: Globo Esporte/G1

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