Sanções à Rússia: como fica o comércio com o Brasil?

Por Redação em 28/02/2022 às 15:51:01

Medida mais dura de exclusão do sistema financeiro global trava o comércio direto de insumos agrícolas e também restringe oferta de commodities de energia no mercado global, o que encarece ainda mais a gasolina no país. Pessoas fazem fila para usar um caixa eletrônico em São Petersburgo, na Rússia: sanções provocaram desvalorização violenta da moeda russa.

Anton Vaganov/Reuters

Com o endurecimento do conflito no Leste Europeu, o fim de semana ficou marcado por novas sanções econômicas impostas à Rússia. Há implicações diretas e indiretas para a economia brasileira.

O pacote anunciado neste neste sábado inclui a retirada dos principais bancos da Rússia do sistema Swift, serviço global de telecomunicações entre instituições financeiras no mundo. Como mostrou reportagem do g1, é um episódio inédito e que pode desestabilizar o comércio internacional.

Na prática, a medida impede a transferência de dinheiro e paralisa o comércio entre produtores russos e seus compradores. Impossibilitados de transacionar no Swift, um lado não pode faturar e o outro não pode pagar pelas mercadorias.

Com isso, para economistas ouvidos pelo g1 nesta segunda-feira (28), o Brasil enfrentará o choque das sanções especialmente em duas frentes: o impedimento de livre comércio com a Rússia e os impactos das medidas nos preços de commodities.

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Produção agrícola

Das 100 categorias mais importadas pelo Brasil no mercado global, 8 vêm da Rússia. A maior parte é de produtos químicos e fertilizantes usados na produção agrícola brasileira – um dos motores do PIB do país, mesmo em tempos de crescimento lento.

Mesmo que não haja um desabastecimento, o agronegócio brasileiro pode ter que repassar preços relevantes da safra, prolongando a inflação mais alta de alimentos que atinge o país desde o início da pandemia do coronavírus.

O Brasil ainda perde um mercado relevante destes mesmos produtos agrícolas. Em 2021, a Rússia importou quase US$ 350 milhões de soja brasileira, mais de US$ 320 milhões em carnes e US$ 130 milhões de café em grão.

Ainda assim, a Rússia é apenas o 35º maior comprador de produtos brasileiros.

"O processo de 'apreensão pelo conflito' já agitou o mercado de fertilizantes há meses. Agora, é importante o Brasil buscar novos fornecedores e ter uma estratégia de médio prazo para um menor repasse de preços", diz Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados.

Petróleo, trigo e outras commodities

Em impacto indireto para o Brasil, a Rússia também terá choques na exportação de petróleo, gás natural, trigo e outras commodities. A redução repentina de oferta desses produtos eleva o preço de todos eles no mercado internacional, com efeitos indiretos no Brasil.

A referência mais clara para os brasileiros nos tempos atuais é o petróleo, que reajusta o preço da gasolina, do diesel, dos derivados como borracha e plástico, além de encarecer o valor de toda e qualquer mercadoria que demande transporte.

Mas os efeitos em cadeia se espalham por muitos outros produtos. O gás natural produzido na Rússia é fonte de energia para todos os produtos industrializados na Europa, que eventualmente ficarão mais caros aqui.

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Mesmo que o Brasil não importe boa parte do trigo diretamente da Rússia, o preço mais alto no mercado internacional pela restrição de oferta encarece a importação e impacta no preço de derivados, como o pãozinho, biscoitos e massas.

"Os problemas no mercado de commodities vão continuar por um tempo porque há consequências políticas da guerra e a Rússia terá dificuldades crescentes de investimentos e financiamento nos próximos anos", afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Bloqueio das reservas

Em outra sanção importante, a União Europeia proibiu transações com o Banco Central da Rússia, o que faz boa parte das reservas financeiras ser "congelada".

A medida é considerada tão pesada quanto a exclusão do Swift, pois impossibilita que a Rússia use esses recursos para estabilizar o rublo russo e tira a inflação do país do controle. É mais um fator de instabilidade em uma economia grande, que reverbera no mercado global.

De partida, houve desvalorização do rublo, com queda acentuada de 30% em relação ao fechamento de sexta-feira, e disparada dos juros, que saltaram de 9,5% para 20% em uma medida de emergência.

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Neutralidade brasileira

De folga para o Carnaval, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse no domingo (27) que o Brasil adotará um "posicionamento neutro" em relação à invasão russa à Ucrânia.

"Nós temos que ter muita responsabilidade, porque temos negócios, em especial com a Rússia. O Brasil depende de fertilizantes", disse Bolsonaro.

"A nossa posição com o ministro Carlos França é de equilíbrio. E nós não podemos interferir. Nós queremos a paz, mas não podemos trazer consequências para cá."

As declarações vêm depois de uma visita de Bolsonaro à Rússia, em que ele se encontrou com o presidente Vladimir Putin poucos dias antes da invasão. O presidente brasileiro chegou a dizer, antes do início do conflito, mas já em meio às tensões geopolíticas, que era "solidário" à Rússia. À época, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse que o Brasil "parece estar do outro lado de onde está a maioria da comunidade global".

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Para Sérgio Vale, da MB, até mesmo essa postura de neutralidade brasileira pode ter consequências de longo prazo, pois ficará a visão de "um Brasil que ficou do lado errado da história".

"Para empresas e mercados financeiros que olham práticas políticas dos países em que se encontram, isso pode afetar investimentos. São percepções intangíveis que entram na agenda ESG e que podem afetar decisões", diz o economista.

"Cada vez mais essa visão ESG será cobrada também dos países em que as empresas se encontram. Uma decisão política equivocada pode trazer consequências de longo prazo."

Gesner Oliveira, da GO Associados, acredita que a questão teve repercussão limitada porque a representação brasileira continua alinhada aos parâmetros tradicionais de diplomacia.

"As nossas manifestações na ONU têm sido em linha com a tradição do Itamaraty, com respeito à soberania dos povos. A visita [de Bolsonaro] foi completamente desalinhada, mas também não foi levada a sério", diz o economista.

Fonte: G1

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