Caso brutt: Imperial é condenada a indenizar família em R$ 400 mil

Por Redação em 19/07/2022 às 10:55:32

Juíza de 1ª instância da Justiça do Trabalho considerou que equipe "colaborou indiretamente" para a morte do jovem jogador de CS:GO, em 2019; Imperial irá recorrer para 2ª instância A Justiça condenou a Imperial, em sentença de 1ª instância, a pagar uma indenização por danos morais de R$ 400 mil à família de Matheus "brutt", jogador profissional de Counter-Strike: Global Offensive (CS:GO) que morreu aos 19 anos, em dezembro de 2019, enquanto era contratado da organização que hoje é casa dos astros liderados por Gabriel "FalleN". Em uma sentença de 80 páginas, a juíza do Trabalho Patricia Almeida Ramos, da 69ª Vara do Trabalho de São Paulo, concluiu que a Imperial, ao deixar de cumprir obrigações legais e contratuais sobre saúde, "colaborou indiretamente" para a morte do atleta. Além da indenização, a magistrada reconheceu o vínculo empregatício de brutt com a Imperial e mandou a equipe pagar verbas trabalhistas. Ainda cabe recurso à decisão judicial.

Em nota, a defesa da Imperial informou que irá recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), a 2ª instância, para o "restabelecimento da justiça". O advogado da organização, José Augusto Rodrigues Jr., sustentou que a empresa cumpriu com as suas obrigações e prestou assistência, inclusive à família. Declarou ainda que o jogador prestou serviço à equipe por cerca de 40 dias, "e não seria até razoável que a empresa houvesse sido a causadora de sua doença e morte". A íntegra da nota está no fim do texto.

Na sentença, publicada nessa segunda-feira, a juíza analisou todos os apontamentos dos parentes de brutt, que abriram duas ações judiciais contra a Imperial em 2020 - uma por questões trabalhistas e outra pedindo indenização por danos morais. Como ambas eram relacionadas ao mesmo caso, a juíza as julgou em conjunto.

brutt jogando o CBCS com uma toalha molhada na nuca para amenizar as dores de cabeça

Divulgação/CBCS

Indenização

Para ordenar o pagamento da indenização, a juíza considerou que a Imperial não proporcionou ambiente de trabalho "hígido, seguro e confortável" aos jogadores da equipe na época de brutt, descumpriu obrigações legais e contratuais para proteção da saúde do atleta e não prestou "nenhum tipo de assistência" quando o jogador apresentou sintomas de estar com a saúde debilitada.

Segundo a juíza, o sofrimento pela morte de um parente é "impassível de reparação", mas "impedir que o empregador pratique novamente o ato com os demais empregados é objetivo da indenização" do dano moral. Por isso, a magistrada condenou a Imperial a pagar R$ 100 mil para cada um dos autores da ação, que são os pais e dois irmãos, totalizando, portanto, R$ 400 mil. O valor ainda terá juros e correção monetária.

Infraestrutura da gaming house

Uma das alegações da família de brutt era de que a gaming house da Imperial, em São Paulo, tinha condições ruins, o que a equipe negou ao apresentar defesa no processo.

— A criação de uma estrutura digna e consentânea com as normas de higiene e segurança do trabalho atrelada aos cuidados com a vida, a integridade e o bem-estar de quem nela se insere são medidas que se impõem, principalmente se se considerar que, em geral, são pessoas mais jovens que se interessam pelo esporte e, para dele fazerem parte, deixam suas famílias a fim de morarem em um local estranho, em que o profissional se mistura com o privado — contextualizou a juíza sobre uma gaming house.

Com base nas provas apresentadas nas ações, a magistrada considerou que as instalações do banheiro da casa da Imperial eram precárias e que não havia ventilação adequada nos dormitórios e ambientes de trabalho, na época em que brutt jogou pela equipe.

A juíza também entendeu que a alimentação oferecida aos jogadores não era adequada, pois era insuficiente. Ela fez referência às provas de que havia cozinheira na casa três vezes por semana, mas que, quando a comida acabava, os próprios integrantes do time tinham que preparar as refeições, com os mantimentos disponíveis na residência, ou pedir por aplicativo de entrega.

De acordo com a juíza, a Imperial tinha a obrigação de "proporcionar aos atletas refeições saudáveis, balanceadas e periódicas ao longo do dia (no mínimo, café da manhã, almoço e jantar)".

Ela não reconheceu outras irregularidades que haviam sido alegadas pela família de brutt, tais como condições insalubres na gaming house ou ausência de descanso.

A juíza apontou que, embora haja mensagens de brutt em aplicativos de conversa reclamando do barulho na casa, por estar localizada perto do Aeroporto de Congonhas, não há como concluir que havia insalubridade só pelo relato do jogador. Quanto ao descanso, a magistrada entendeu que a dificuldade de dormir relatada por brutt nas conversas era causada pelo calor do dormitório e pelo barulho dos aviões, e não por ele estar à disposição da equipe 24 horas por dia.

A juíza considerou que a Imperial "não proporcionava um ambiente [de trabalho/residência] hígido, seguro e confortável aos jogadores que estavam sob seu comando, contrariando não só a legislação a respeito da matéria, como também cláusula aderida ao contrato de trabalho mantido" com brutt.

Ela criticou duramente a infraestrutura oferecida pela Imperial e a defesa jurídica apresentada nos processos:

— A partir do momento em que a ré [Imperial] se predispôs em constituir uma gaming house para reunir os jogadores de sua equipe, submetendo-os a treinos mais intensos e focados, visando melhor performance, deveria ter observado as diretrizes legais e contratuais em prol da preservação da saúde e integridade bio psicofísica e social dos atletas sob sua coordenação — anotou a magistrada.

— A entidade de desporto, como é o caso da reclamada [Imperial], que simplesmente ignora todo um arcabouço jurídico que protege a saúde e o bem-estar de um modo geral e, em particular, dos empregados, escondendo-se atrás de alegações do tipo "ninguém reclamou", "todos queriam que ficasse do jeito que está", "a mãe concordou", "havia uma mãe que ia lá" e "as reclamações eram brincadeira" merece, além da reprovação social, ser responsabilizada legalmente.

Saúde e assistência

Nos processos, a família de brutt sustentou que o jogador não fez exames médicos ao ser admitido na equipe, o que é uma obrigação trabalhista, e não teve assistência da Imperial no desenrolar da doença. A organização se defendeu.

Para a juíza, as duas alegações são incontestáveis, ou seja, não podem ser contestadas. Na opinião da magistrada, ambas as situações foram provadas.

Ela apontou que a Imperial não providenciou a realização de exames médicos no ato da contratação, nem quando brutt começou a apresentar problemas de saúde. A própria organização alegou, na defesa dos processos, que o jogador já chegou à gaming house reclamando de dores de cabeça, o que, para a magistrada, seria motivo para a equipe se preocupar em investigar o que estava acontecendo com o seu contratado.

Porém, conforme a juíza registrou na sentença, brutt esteve, diversas vezes, em unidades de saúde sem a devida assistência pela empresa, estando, em certas ocasiões, acompanhado de colega de time menor de idade e de namoradas de outras pessoas do time, que não eram representantes legais ou sequer funcionárias do clube.

A magistrada destacou ainda que, embora a Imperial não oferecesse plano de saúde para os jogadores, tinha o dever de arcar com despesas médicas-hospitalares em caso de doença.

— Era dever seu que arcasse com suas despesas médico-hospitalares, bem como com os custos de todos os medicamentos, notadamente porque, embora não seja possível uma definição precisa, não há como descartar que patologias caracterizadas por lesões cerebrais não se insiram dentro dos riscos inerentes à profissão de jogador de esports — escreveu a juíza, fazendo referência à causa da morte de brutt.

O jovem morreu em 15 de dezembro de 2019, vítima de uma infecção do sistema nervoso central não especificada, depois de dias de internação e de uma peregrinação em unidades de saúde por um diagnóstico conclusivo.

— A negligência da ré [Imperial], neste particular, é manifesta, considerando não só o relato da defesa, como o teor de todas as provas produzidas nos autos [processos]. No afã de imputar culpa à família do jogador, a peça contestatória está recheada de trechos que demonstram o conhecimento da ré [Imperial] sobre o debilitado estado de saúde do Sr. Matheus [brutt], desde que ele ingressou em seu time, situação essa mantida durante todo período no qual morou na gaming house e que proporcionou algumas idas suas a hospitais públicos — escreveu a juíza.

— Encerrada a instrução processual, alternativa não há a não ser, parafraseando a reclamada [Imperial], concluir: "Se não houve um diagnóstico preciso", a empresa deve ser, sim, culpada, ou melhor, responsabilizada pela incúria e negligência e até mesmo descaso diante dos problemas de saúde que se manifestaram quando o atleta compunha o seu time, mesmo tendo obrigação contratual legal e contratual de prestar-lhe assistência médica e arcar com os custos das despesas médico-hospitalares e dos medicamentos.

— A partir do momento em que o Sr. Matheus [brutt] vinculou-se através de relação de emprego com a reclamada [Imperial] e foi morar na gaming house por ela mantida, sua saúde e integridade psicofísica passaram a ser obrigação legal e contratual da empresa, notadamente porque o ambiente de trabalho confundia-se com moradia, sem possibilidade de separação das atividades profissionais da vida particular — apontou a magistrada.

Responsabilidades

Nas conclusões da sentença, a juíza anotou que a Imperial não ofereceu local de moradia e trabalho adequado e, contrariando a lei e o contrato assinado com o jogador, não forneceu assistência médica, nem arcou com despesas médico-hospitalares.

Na visão da magistrada, há responsabilidade da Imperial na saúde debilitada de brutt, mesmo que o jogador tenha permanecido somente pouco mais de 20 dias na gaming house da equipe.

— A estrutura da residência deixava a desejar, a ponto de o atleta não se alimentar de forma saudável, bem como não conseguir dormir direito; é óbvio que, neste cenário, não poderia melhorar fisicamente, o que passou a ser visível aos olhos de todos os que mantinham contato com ele, mercê das três ou quatro idas a hospitais públicos em um curtíssimo espaço de tempo. Todo o ocorrido se desenrolou sem a participação da reclamada [Imperial], em que pese ter a obrigação legal e contratual de atuação nesse sentido. A responsabilidade da reclamada [Imperial], inclusive pelo que se sucedeu, é inquestionável.

Na sentença, a magistrada ressaltou que não é possível sustentar que brutt estaria vivo se a Imperial tivesse cumprido todas as obrigações legais e contratuais.

— Mas, de igual sorte [da mesma maneira], também não há como afirmar o contrário — ponderou a juíza.

— Para os dois cenários em confronto, só há um fiel da balança: a lei. Quem a descumpriu deve ser responsabilizado.

Por isso, a juíza reconheceu o "nexo de concausalidade" entre as "violações legais e contratuais praticadas" pela Imperial e a morte de brutt, "restando claro que a empresa, ao ignorar suas obrigações, colaborou indiretamente para o ocorrido, sendo, portanto, responsável legalmente".

Concausa é o que, de alguma maneira, contribui para a produção ou o agravamento de um resultado, ainda que não seja a causa principal.

Em certo momento na sentença, a magistrada faz a ressalva de que, com as ações, a família de brutt não tinha a intenção de definir o que ou quem deu causa ou tem culpa pela morte do jovem, de modo que o foco dela, ao julgar as ações, era analisar as questões trabalhistas que eventualmente tenham colaborado, direta ou indiretamente, para a morte.

A juíza considerou ainda que a responsabilidade da Imperial no caso é objetiva.

— Ao optar por não cumprir a legislação específica, tampouco os termos do contrato de trabalho mantido com o Sr. Matheus [brutt], assumiu o risco de ser responsabilizada no caso de eventual prejuízo sofrido pelo atleta, independentemente de ter dado causa a ele.

A juíza também considerou que, por isso, a Imperial tem responsabilidade sobre os danos morais sofridos pela família de brutt.

Para a magistrada, os parentes do jogador "sofreram as repercussões personalíssimas causadas pela negligência e conduta ilícita" da organização, "o que afetou o íntimo de cada um deles de forma irreversível".

Vínculo empregatício

A família de brutt também pediu o reconhecimento do vínculo empregatício de brutt com a Imperial. Embora a equipe tenha negado, nos processos, que havia relação de trabalho, inclusive sustentando que o contrato com o jogador não chegou a ser assinado, a juíza concluiu que estavam presentes todos os requisitos para configuração de uma relação de trabalho.

Para a magistrada, mesmo que o contrato específico de brutt com a Imperial não tenha sido assinado, o contrato de transferência do jogador da Team Reapers para a equipe foi efetivamente assinado, o que constituiu a relação de emprego com o novo time.

— Presentes os requisitos legais, quais sejam, a pessoalidade [a relação com o Sr. Matheus [brutt] se deu em face de suas diferenciadas habilidades para o jogo "CS:GO"], habitualidade [o atleta morava na gaming house, estrutura criada e subsidiada pela reclamada [Imperial], participando diariamente dos treinos], onerosidade [houve pagamento no período em que lá esteve] e subordinação [o jogador submeteu-se a uma rotina de treinos/jogos], a existência do vínculo de emprego é irrefutável.

Por isso, a juíza condenou a Imperial a assinar a carteira de trabalho de brutt pelo período em que o jogador defendeu a equipe e a pagar verbas trabalhistas decorrentes do reconhecimento do vínculo empregatício.

— Nada trará Matheus de volta a vida, mas a correta condenação da Imperial, sem dúvida, proporcionou uma sensação de Justiça à família — declarou, ao ge, o advogado Helio Tadeu Brogna Coelho Zwicker, representante dos familiares de brutt.

Veja a íntegra da nota da defesa da Imperial:

A defesa técnica da empresa Imperial declara que, com o devido respeito, a sentença proferida encontra-se equivocada e a empresa irá dela recorrer para o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, visando sua reforma e restabelecimento da justiça.

O jogador Matheus Queiroz Coelho prestou serviços por cerca de 40 dias apenas e não seria até razoável que a empresa houvesse sido a causadora de sua doença e morte.

A empresa cumpriu suas obrigações, proporcionou-lhe totais condições de realizar seu jogo, lamentando profundamente o falecimento. Prestou-lhe toda assistência, inclusive à sua família.

No mais, a narrativa dos demais fatos e argumentos constarão do recurso que será regularmente apresentado no processo judicial.

Entenda o caso

Jovem promessa do cenário brasileiro de CS:GO, brutt morreu em 15 de dezembro de 2019, aos 19 anos, por uma infecção do sistema nervoso central não especificada, depois de dias de internação e busca por diagnósticos conclusivos. Quando morreu, brutt estava em ascensão na carreira e disputava o Campeonato Brasileiro de Counter-Strike (CBCS).

Os parentes de brutt acreditam que o desfecho poderia teria sido diferente se tivesse havido rapidez no diagnóstico, tratamento adequado e suporte das equipes pelas quais o jogador passou, a Team Reapers e a Imperial.

Inconformada, a mãe de brutt, Cristiane Fernandes Queiroz Coelho, abriu ações judiciais nas áreas cível, criminal e trabalhista contra as duas equipes, que sempre negaram negligências com a saúde do jovem jogador.

Embora sem diagnóstico conclusivo a causa da morte, Cristiane acredita que houve erros, tanto dos atendimentos médicos quanto das equipes, e por isso acionou a Justiça, requerendo o reconhecimento dos direitos trabalhistas de brutt, que não teve a carteira assinada na Team Reapers e na Imperial, e a responsabilização dos clubes pela morte.

Na época da revelação do caso, no site UOL, o advogado da mãe de brutt justificou que os processos seriam contra as equipes, e não contra as unidades de saúde por onde o jogador passou, sem ser diagnosticado, porque os clubes é que seriam os responsáveis pela saúde dos atletas durante o período de contratação.

Fonte: Globo Esporte/G1

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