A cada jogo, Messi faz sua melhor partida na história das Copas

Por Redação em 13/12/2022 às 22:38:43

Com uma centelha "maradoniana", o camisa 10 conduziu a Argentina à decisão do Mundial. Eu tenho um amigo argentino. (Esse é o tipo de frase que pode anunciar qualquer desdobramento, com a história culminando em um súbito despertar numa pensão em Bahía Blanca ou em alguma noite de movimentações suspeitas no Conurbano bonaerense -- talvez as duas coisas juntas.) Mas o fato é que tenho esse amigo argentino no qual tenho pensado bastante desde que a Copa começou.

Mais especificamente, penso em uma conversa que tivemos após a decisão de 2014, quando ele afirmou que para Messi havia faltado apenas um Valdano e um Burruchaga, atacantes que em 1986 acompanhavam Maradona naquela conquista de sísmicas proporções alcançada em terras mexicanas. Não duvido do conhecimento que o amigo argentino tem de futebol, bem pelo contrário, e também sei que em momentos de dor pungente ficamos desnorteados, confundindo pandorga com avião e tentando fugir pela veneziana, e por isso mesmo consenti -- ou ao menos não me estendi tanto no assunto.

Para Messi, em termos futebolísticos, obviamente nunca faltou nada. No entanto, naquele momento comparar seu desempenho em Copa do Mundo com a versão de Maradona em 1986 é coisa que já começa a denotar uma perigosa desconexão da realidade. E, na verdade, seria injusto colar nas costas de qualquer indivíduo, morto ou ainda por nascer, a exigência de se aproximar do que Maradona fez naquele muy específico recorte de tempo, quando não corria, mas quicava em campo, ostentando todo o esplendor de sua divindade pagã. O que se exigia de Lionel Messi era que juntasse à sua cátedra superior uma centelha de temperamento que fosse do barrilete cósmico. Um riscar de isqueiro já nos seria suficiente.

Então chegou a Copa do Catar. E, como qualquer sinfonia que se refere à Argentina precisa trazer na introdução um lamento de bandoneón, a derrota na estreia diante da Arábia Saudita já anunciava a possibilidade de fiasco. A frustração não veio porque no meio do caminho apareceu a canhota de Messi, contra o México. A cada partida, o camisa 10 passou a fazer seu melhor jogo em Copa do Mundo, até que chegamos ao passe pornográfico contra a Holanda e, hoje, ao concerto de um homem só, ainda que não sozinho, diante dos croatas. Durante a incendiária trajetória, um "que mira, bobo?" e a encarada corleonesca em Van Gaal, como se tivesse passado a vida inteira não em Barcelona, mas em algum potrerito de Rosário. A gente pedia uma centelha, mas Lionel resolveu acender o maçarico.

O melhor Lionel Messi da história das Copas se revelou quando ele resolveu deixar aflorar o lado maradoniano do espírito, coisa que não era exclusiva de Maradona: todos nós trazemos -- em alguns alguns estampado na testa, em outros escondido atrás do apêndice. E, quando um dos melhores e maiores jogadores da história resolve abandonar toda espécie de comedimento anímico, o que presenciamos é essa inflamável força da natureza que anda correndo pelos campos do Catar com a camisa argentina. Que está muito longe de ser Diego Maradona em 1986, mas agora justamente porque agora está muito próximo de ser Lionel Messi em 2022.

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Fonte: Globo Esporte/G1

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