Diniz, vítima do caos em que a seleção mergulhou, não teve sequer o direito de decidir seu futuro

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Por Redação em 06/01/2024 às 07:11:49

Como será a implantação dos métodos e do modelo de jogo de Fernando Diniz na seleção? Quanto tempo levará para uma assimilação? O quanto este jeito de jogar irá permitir que os jogadores exibam o melhor de suas qualidades? Todas as perguntas são fascinantes, mas seguiremos sem as respostas. Porque em seis jogos a convicção se foi. Na prática, a CBF submeteu Fernando Diniz apenas à parte amarga do processo: a renovação radical de elenco, a parte inicial da implantação de um modelo novo, os erros naturais na execução deste tipo de jogo, as derrotas. A seleção atravessou um período de transição rumo ao nada.

Diniz esteve na CBF enquanto foi útil. Enquanto era possível acenar para a opinião pública com uma suposta "garantia" de que Ancelotti assumiria em junho de 2024, enquanto a boa repercussão do nome do treinador na opinião pública gerava pautas positivas em torno da seleção, a ponto de que se ignorasse o surrealismo da proposta de dividir trabalhos entre o time nacional e o Fluminense. Aí vieram as derrotas e, como é natural no país, as críticas a Diniz. Depois, um pronunciamento de Ancelotti, ao anunciar sua permanência em Madri, enfraqueceu a tese de que a CBF teria "garantias" de que ele seria o treinador do Brasil. Enquanto isso, o isolamento político arrancava Ednaldo do cargo. Diante da recondução, por um período que ninguém é capaz de afirmar se será longo ou breve, subitamente tornou-se prioridade ter um treinador efetivo já. E, curiosamente, Diniz já não serve para o cargo.

Fernando Diniz, durante treino da seleção brasileira

Joilson Marconne / CBF

A tese do acordo com Mario Bittencourt, presidente do Fluminense, de que a seleção não tiraria o treinador do clube, também é controversa. Significa que a CBF só terá um treinador cujo clube atual autorize? Ainda assim, esta é a menor das questões. No futebol ou em qualquer ramo da vida, é preciso um mínimo de respeito. A começar pela forma descartável como Diniz foi tratado, ainda que se discorde de sua decisão de aceitar ter dois trabalhos simultâneos. Por mais que, antes de contratá-lo, Ednaldo tenha consultado o Fluminense, é escandaloso que Diniz, um homem adulto, tenha sabido de sua demissão, decidida por outro homem adulto, através de um intermediário – no caso, o presidente do Fluminense.

E pior. Quando se dirigiu a Diniz, Ednaldo lançou mão do tal acordo, como se o treinador campeão da Libertadores e atual interino da seleção brasileira não tivesse capacidade, maturidade, status e, mais importante de tudo, o direito de opinar sobre o próprio futuro.

Se há algo de que Ednaldo Rodrigues não pode ser acusado é de ter dado causa, desde a origem, à disputa judicial que torna nebuloso o futuro da CBF. A disputa é anterior a ele. No entanto, todos os efeitos que a crise de poder impõe ao futebol do país e à seleção brasileira têm ligação direta com sua tentativa de tornar a entidade uma organização de um homem só. A centralização e o consequente isolamento político, precipitaram a reativação do processo na Justiça que o tirou do poder. Agora reconduzido, ele têm algumas obrigações a cumprir com o futebol brasileiro.

A começar pelo episódio Ancelotti, que expôs o nome da camisa mais importante do futebol mundial de uma forma poucas vezes vista. É até possível que, se de fato existirem, as garantias legais de que tanto falou o presidente da CBF para justificar a crença de que o italiano comandaria o Brasil, imponham algum nível de confidencialidade. Ainda assim, o presidente da CBF, embora precise governar e tomar decisões, não é dono do futebol do país e, muito menos da seleção. Ele deve à comunidade do futebol explicações contundentes e, se possível, documentadas, para justificar a troco de quê, em nome de quais garantias, a seleção brasileira ficou num limbo de um ano. Por que jogamos no lixo um terço do ciclo de preparação para a Copa do Mundo. Ednaldo deve uma justificativa razoável ao futebol brasileiro.

Quanto à decisão de Ancelotti de permanecer em Madrid, é até justo admitir que o afastamento de um presidente crie incertezas num treinador estrangeiro. Mas é impossível não refletir sobre como o episódio reforçou a imagem de que a seleção se tornara assunto de um único homem. Como não refletir se, caso a CBF tivesse processos e funcionamento em cada departamento, caso as seleções brasileiras tivessem um diretor com representatividade global, a percepção de um técnico de elite mundial não seria outra?

Ao contrário, houve uma Data Fifa em que a seleção brasileira quase ficou sem amistosos para jogar por falta de uma estrutura básica. No sorteio da Copa América, não tinha uma comissão técnica a representá-la.

Agora que resolveu demitir Diniz sem nunca tê-lo efetivado, surge outra obrigação que Ednaldo deveria atribuir a si próprio em sua volta ao gabinete da Barra da Tijuca: não atrapalhar a vida de um clube brasileiro, não fazer de uma equipe do país vítima do desgoverno da seleção. O fato é que, aparentemente, Ednaldo já não concorda que seja razoável esperar até junho por um treinador, algo que antes defendia. No lugar de jogar um ano e meio do ciclo fora, a CBF agora só aceita desprezar 12 meses de trabalho. O desligamento de Diniz foi regido pela deselegância, numa demissão extraoficial anunciada 24 horas através de uma entrevista à do dirigente à revista Veja.

Mais do que perguntar como é possível a convicção num treinador ruir em seis jogos, vale olhar para frente. Está claro que a seleção merece um treinador com dedicação integral, e precisa deste nome o mais rapidamente possível. Não apenas para que não se perca mais tempo, mas para que a temporada de um clube brasileiro não seja inviabilizada pela falta de planejamento da CBF.

É fato que, por ora, reina a incerteza. Afinal o STF voltará a examinar em plenário a decisão que reconduziu Ednaldo. Então, finalmente, é hora de uma atitude de grandeza em nome da comunidade do futebol brasileiro. Pode soar utópico, mas o momento é de montar uma comissão que inclua os teóricos presidenciáveis, os candidatos da eleição que não se realizou. Junto a eles, representantes de clubes e de federações, formando uma comissão que dê um mínimo de segurança aos escolhidos para tocarem o futuro da seleção. E, claro, começar tal escolha por um diretor que estruture o departamento. Mas é preciso fazê-lo logo, porque nenhum clube do país deve pagar pela caótica gestão recente da seleção brasileira.

É hora de o futebol brasileiro caminhar. Já estamos atrasados para 2026.

Fonte: Globo Esporte/G1

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