Mercado carioca ressignifica espaços de memória afetiva

Por Redação em 03/06/2022 às 00:16:01

Cidade segue tendência de capitais europeias ao fazer uma releitura contemporânea de ícones arquitetônicos do cenário urbano e devolvê-los com utilidade à população Passado, presente e futuro se conectam em edificações ar-rojadas que redesenham, aos poucos, a paisagem urbana no Rio de Janeiro. A capital ganha um número crescente de prédios repaginados, convertidos em residenciais modernos, preservando parte da História e da arquitetura. Em vários cantos da cidade, o carioca se depara com projetos que dão funcionalidade a imóveis ociosos — ou entregues ao abandono —, unindo tradição e modernidade, sem desfigurar os endereços.

Essa tendência ganhou corpo nas últimas duas décadas, quando o mercado imobiliário abraçou a ideia de ressignificar espaços de memória afetiva, que traduzem a alma da cidade. Regiões já muito adensadas ganham novas moradias com um toque de atualidade, preservando as características originais.

“O Rio segue a tendência de grandes capitais europeias”, opina Marcos Saceanu, presidente da Ademi-RJ e diretor-presidente da Piimo, destacando que o mercado aprimorou a técnica de reconversão de prédios preservados ou tombados. “Esse movimento é sensacional, pois traz uma releitura contemporânea de ícones do cenário urbano carioca. A revitalização tem amparo legal e respeita a História de cada lugar. Não apenas mantém seus traços marcantes, como devolve ao cidadão algo que estava fechado ou abandonado”, ressalta ele.

No Flamengo, a Piimo responde pelas obras de conversão do antigo Hotel Paysandu em um residencial de 50 unidades, com espaços coletivos e lazer no rooftop, que preservam o estilo art déco e o charme do imóvel. O projeto da Cité Arquitetura tem paisagismo do Escritório Burle Marx e iluminação de Maneco Quinderé.

“O hotel estava fechado havia quatro anos e em processo de deterioração. O Quinderé aproveitou luminárias antigas e fez uma escultura que hoje enfeita o lobby do prédio. É uma releitura que homenageia o patrimônio histórico”, ressalta Saceanu.

Para o arquiteto Celso Rayol, da Cité, o desafio é trabalhar a memória do Rio e conectá-la de maneira inovadora com os tempos atuais, vislumbrando o futuro. “É preciso valorizar as referências históricas. Na compra desse tipo de imóvel, as pessoas querem um propósito. Esse foi o grande motivador. O interior do residencial re-vela o uso de elementos importantes do prédio original, como luminárias, painéis e portas, mas ressignificados e com novos usos e funções no espaço”, explica.

O outrora imponente Hotel Glória, ícone do início do século XX, passa também por um amplo projeto de revitalização. O primeiro cinco estrelas do país, inaugurado em 1922, será transformado em um edifício residencial pelas mãos do Opportunity Fundos de Investimentos Imobiliários. O novo Glória terá 266 unidades, além de quatro lojas no térreo.

“O movimento de investir em imóveis com valor histórico é muito importante para o Rio de Janeiro, pois renova e incentiva a moradia e valoriza as regiões. O projeto do Glória preserva e recupera a fachada, seguindo a legislação para esse modelo de empreendimento. O contemporâneo estará presente sem deixar de lado as características icônicas do hotel”, comenta Jomar Monnerat, gestor do Opportunity FII.

No Cosme Velho, as atenções estão voltadas para o Largo do Boticário, cujas obras entram agora na reta final. O casario de estilo neoclássico vai abrigar o Hotel Jo&Joe, da rede francesa Accor. Em uma área de 4.158 metros quadrados, o principal cuidado é com a restauração completa do complexo, tombado em 1987.

Os imóveis foram construídos com partes e peças originais — gradis, azulejos e mármores — obtidas com a demolição do conjunto arquitetônico da Praça Onze. O projeto também vai valorizar o entorno do largo, cuja vizinhança inclui o Solar dos Abacaxis e a estação do bondinho do Corcovado.

O Rio deu um passo importante no sentido de conservar sua arquitetura com a aprovação da Lei do Retrofit no ano passado, que estabelece condições especiais de incentivo para reconversão de imóveis protegidos e de outros regularmente construídos e licenciados. Mesmo prédios e casas tombados podem sofrer transformação de uso ou ser desdobrados em unidades independentes, desde que órgãos de tutela do patrimônio cultural aprovem as mudanças.

“A flexibilização trazida pela lei representa um marco histórico, pois deu viabilidade técnica e econômica a diversos projetos. A recuperação desses imóveis harmoniza o histórico e o contemporâneo e os devolve com utilidade para a sociedade”, conclui Saceanu.

Fachadas originais preservam a História da região central

Para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, modificação de usos deve ter hierarquias de intervenção nas áreas externas e internas

No MAR, na Praça Mauá, uma passarela suspensa interliga os dois prédios do museu

GABRIEL DE PAIVA/AGÊNCIA O GLOBO

Uma cidade mais qualificada em seu cenário urbano deve valorizar o patrimônio construído em outras épocas. Essa é uma questão essencial para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/R J). Noemia Barradas, vice-presidente da entidade, diz que a modificação de usos dos imóveis — especialmente, os prédios tombados na região central do Rio — é bem-vinda, desde que sejam criadas hierarquias de intervenção, tanto para a fachada quanto para as áreas internas.

Um exemplo de valorização e resgate do patrimônio na cidade é o Museu de Arte do Rio. Inaugurado em 2013, o MAR ocupa dois prédios da Praça Mauá interligados por uma passarela suspensa, “cobertura fluida”, vencedora na categoria museu do Architizer A+ Awards, conceituado prêmio internacional de arquitetura.

Para Noemia, as diretrizes devem preservar as características originais da edificação, respeitando tipologias e elementos construtivos — referências que contam a História de cada região e da própria cidade. “O Rio é único em sua arquitetura e em seu tecido urbano, com bens de grande importância cultural e histórica. Muitos deles são protegidos, outros, não. Daí a necessidade de intervir de forma adequada e com cuidado”, afirma Noemia.

Ela acredita que prédios de uso misto são mais adequados para a região central da cidade, que desde o ano passado conta com o programa Reviver Centro para atrair novos moradores e promover a recuperação urbanística, social e econômica do local. E faz uma ressalva. “As novas habitações precisam contemplar cidadãos de classes econômicas distintas. O programa deve dar atenção às moradias de interesse social. Precisamos de uma cidade mais equilibrada”, conclui.

Fonte: Valor Econômico

Tags:   Valor
Comunicar erro
Agro Noticia 728x90