Órgãos investigam magistrados das maiores recuperações judiciais do País

Por Redação em 27/03/2023 às 05:26:10

A relação de juĂ­zes responsĂĄveis por conduzir insolvĂȘncias bilionĂĄrias com advogados e administradores entrou na mira de investigações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério PĂșblico. O Estadão teve acesso a seis apurações sobre magistrados de Varas de FalĂȘncia e Recuperação Judicial. Pelas mãos deles passam atualmente processos cujas cifras ultrapassam R$ 90 bilhões.

Em ao menos trĂȘs dos casos, relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontaram operações suspeitas. JuĂ­zes foram punidos em dois desses processos. Um dos casos recebeu parecer favorĂĄvel à abertura de investigação no CNJ. Magistrados e administradores afirmaram que agiram dentro da legalidade.

Nos processos de recuperação judicial e de falĂȘncia, magistrados nomeiam administradores judiciais, sĂ­ndicos e mediadores – agentes de confiança destacados para garantir o pagamento das dĂ­vidas e a retomada da saĂșde financeira das empresas. Estes agentes ganham honorĂĄrios com base no valor das causas, fixados e cobrados pelos juĂ­zes. É a partir da relação entre magistrado e agente privado que tĂȘm sido suscitadas uma série de apurações criminais e disciplinares.

A Procuradoria-Geral de Justiça do Rio abriu investigações criminais sobre a conduta de trĂȘs juĂ­zes. Os inquéritos foram destinados a apurar ligações suspeitas deles com administradores judiciais e peritos.

Paulo Assed Estefan, da 4.ÂȘ Vara Empresarial, entrou na mira do MP do Rio em razão de suposta relação de sua famĂ­lia com o administrador judicial Marcello Macedo, nomeado por ele em processos. A investigação mostrou que a mulher de Macedo foi sócia do filho do magistrado em um restaurante. A cantina italiana, chamada D"Amici, fica no bairro do Leme hĂĄ mais de 20 anos. Advogados e juĂ­zes frequentam o local. Parte deles apelidou o restaurante de "8.ÂȘ Vara Empresarial", em uma brincadeira com o fato de haver somente sete varas do ramo na Justiça da capital.

TRANSAÇÕES. De acordo com o relatório do Coaf, o administrador judicial movimentou R$ 12 milhões entre 2018 e 2019, o que, segundo o MP, estĂĄ acima de seus rendimentos declarados. "Os créditos nas contas de Marcello Macedo somaram R$ 6.382.483 e consistiram basicamente em depósitos em espécie e resgates de aplicações", afirma o MP.

Entre as transações consideradas suspeitas pela Procuradoria estão cinco pagamentos de R$ 48 mil ao bar que uniu como sócios a mulher de Macedo e o filho do juiz. Segundo o MP-RJ, o escritório de Macedo movimentou R$ 34 milhões, valor acima dos rendimentos declarados da banca.

O relator do processo, desembargador Marcos Alcino de Azevedo Torres, arquivou o caso de ofĂ­cio, sem ouvir o MP. Ele recuou da decisão em julgamento do Tribunal de Justiça do Rio que decidiu restabelecer a investigação. No recurso apresentado ao desembargador, a Procuradoria-Geral apontou como "inexplicĂĄvel" a "relação empresarial ligando membros da famĂ­lia do magistrado e familiares do administrador judicial em atuação perante a Vara Empresarial em que o noticiado (Estefan) é titular".

O juiz é responsĂĄvel por analisar a recuperação judicial da Americanas, que acumula dĂ­vidas de R$ 40 bilhões. Ele nomeou como administrador judicial o ex-deputado Sérgio Zveiter, irmão do desembargador Luiz Zveiter, que integra o Órgão Especial, colegiado que julga pedidos em inquéritos sobre juĂ­zes no Rio. A nomeação não é objeto de investigação.

ResponsĂĄvel pela recuperação da Oi, de R$ 43,7 bilhões, o juiz da 7.ÂȘ Vara Empresarial do Rio, Fernando Viana, também estĂĄ na mira do MP-RJ. O órgão diz que ele é dono de empresas cujos endereços registrados na Junta Comercial são idĂȘnticos aos da sede de firmas de Marco Antonio Reis Gomes – sócio de companhia de administração judicial que atua na 7.ÂȘ Vara.

DELAÇÃO. Em delação premiada, o perito Charles William afirmou que Gomes lhe confidenciou que "repassava 50% dos valores de suas perĂ­cias ao irmão de Fernando Viana, que é fiscal de rendas". A empresa M6 Participações, que tem o magistrado e seu irmão como sócios, apresentou "movimentação de recurso incompatĂ­vel com o patrimônio, a atividade econômica ou a capacidade profissional ou financeira", registrou o MP.

"As imbricadas relações envolvendo as empresas, o magistrado e seus familiares parecem revelar a existĂȘncia de uma espécie de favorecimento em nomeações de administradores judiciais e peritos em processos em curso no sobredito órgão judicial, sabidamente palco de vultosas transações, cujos reflexos, invariavelmente, desĂĄguam na remuneração de tais administradores", diz o MP em pedido de diligĂȘncias obtido pelo Estadão. Para o órgão, hĂĄ suspeita de que um dos peritos nomeados por Viana seja ligado a uma de suas empresas.

JuĂ­za da 5.ÂȘ Vara Empresarial do Rio, Maria da Penha Nobre Mauro é outra investigada. O MP diz que o perito mais escolhido pela juĂ­za em seus processos é filho da contadora do escritório de seu pai, o ex-desembargador Laerson Mauro.

Todas as investigações são na esfera penal e conduzidas pela Procuradoria-Geral de Justiça perante o Órgão Especial do TJ-RJ. Na esfera administrativa, apurações sobre Maria da Penha, Viana e Estefan na Corregedoria do TJ foram anuladas pelo CNJ em julgamento sigiloso. O relator, Luiz Fernando Bandeira de Mello, disse que houve "pesca probatória" e "busca ampla e genérica sem causa provĂĄvel e objeto definido".

SÍNDICOS. Ex-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Klever Loureiro é investigado pelo CNJ em razão de irregularidades nas nomeações na falĂȘncia da Laginha Agroindustrial, usina de cana-de-açĂșcar do falecido ex-deputado João Lyra. Em 2010, Lyra declarou à Justiça Eleitoral patrimônio de R$ 240 milhões, sendo o parlamentar mais rico do Congresso. A empresa tinha R$ 3 bilhões em dĂ­vidas quando faliu.

Loureiro é investigado por suspeita de agir para nomear um administrador judicial que admitiu à Corregedoria Nacional de Justiça não ter experiĂȘncia na ĂĄrea, supostamente usurpando a competĂȘncia do juiz da causa. Correição da Corregedoria apontou indĂ­cios de "quebra de dever de imparcialidade" do desembargador. O caso estĂĄ em sigilo e não foi pautado para julgamento, disse o CNJ.

Em São Paulo, o juiz Marcos Bernicchi foi afastado em julho de 2021 pela Corregedoria do TJ-SP sob suspeita de trocar sĂ­ndicos de falĂȘncias sem motivo. Todos foram substituĂ­dos por um mesmo grupo. No fim de 2022, a pedido da Procuradoria-Geral de Justiça, o Órgão Especial da Corte abriu investigação criminal para apurar se o magistrado agiu para beneficiar estes agentes.

Primeiro juiz da recuperação da Itapemirim, cujas dĂ­vidas ultrapassavam R$ 2 bilhões, Paulino José Lourenço foi aposentado compulsoriamente em 2020 pelo TJ do EspĂ­rito Santo por suspeita de ligação de seu filho com o administrador escolhido pelo magistrado para conduzir recuperações em curso em sua vara.

JuĂ­zes e administradores afirmam que agiram dentro da legalidade

Os juĂ­zes e administradores judiciais citados nas investigações afirmaram ao Estadão que agiram dentro da legalidade e nada foi comprovado contra eles. Nos autos dos processos, trĂȘs magistrados do Rio se queixam de perseguição da Corregedoria do Tribunal de Justiça. Dois magistrados disseram não ser alvo de investigação – a reportagem, contudo, confirmou a apuração com pessoas diretamente ligadas à condução destes processos.

O advogado Claudio Figueiredo Costa, que defende Paulo Assed Estefan, classificou o processo do qual seu cliente é alvo como "investigação ilegal, prospectiva, que não apurou nenhum fato criminoso, que devassou a vida de seus magistrados e não levantou nada".

"O Ășltimo movimento que aconteceu depois que o Conselho Nacional de Justiça decretou a nulidade de toda a investigação e a Corregedoria do tribunal reconheceu também a nulidade foi que o desembargador relator devolveu os autos ao Ministério PĂșblico perguntando se eles querem prosseguir (com a investigação criminal) diante da decretação da nulidade pelo CNJ e pela Corregedoria", disse Costa ao Estadão. "Nada foi produzido. Não acharam nada, mas a investigação (no CNJ) também foi considerada ilĂ­cita. Ela não parte de um fato. Ela é a verdadeira hipótese de fishing expedition, ou pescaria probatória em portuguĂȘs."

FÉRIAS. Procurado, o TJ do Rio se limitou a dizer que, como Estefan estĂĄ de férias, enviaria os questionamentos quando o magistrado retornasse.

O administrador judicial Marcello Macedo afirmou ao Estadão que não vĂȘ conflito de interesses na sociedade entre sua mulher e o filho de Estefan. "Ele foi sócio com minha mulher durante um mĂȘs. O restaurante nunca pagou dividendos a ninguém." Macedo disse ainda não serem suspeitos os repasses ao restaurante. "Mando dinheiro toda hora para pagar conta do restaurante, para ajudar minha mulher. LĂĄ atrĂĄs teve aporte, ajudei para pagar as contas. Mas nunca teve distribuição de lucro, nada."

Segundo o administrador judicial, ele não movimentou R$ 12 milhões e o relatório do Coaf contabilizou trĂȘs transações do mesmo dinheiro como apenas uma. "Isso foi tudo demonstrado. Todo o dinheiro é compatĂ­vel com tudo que recebi, que eu ganhei, não tem um recebimento que não tenha nota fiscal emitida, que não tenha pagamento de imposto. Não tinha nada de atĂ­pico."

De acordo com nota do TJ do Rio, o desembargador Luiz Zveiter declarou que "estĂĄ impedido em todos os processos das Lojas Americanas".

O tribunal, por meio de assessoria, também informou que o juiz Fernando Viana sustenta que procedimento que deu origem às investigações na Corregedoria foi anulado em razão de o CNJ ter concluĂ­do que ele foi conduzido com "parcialidade, desvio de finalidade, fishing expedition e subversão das garantias constitucionais". "Quanto ao procedimento criminal instaurado, cabe destacar que foi iniciado a partir do compartilhamento dos mesmos elementos informativos, restando, portanto, de acordo com o magistrado, eivado de nulidade absoluta desde a sua origem, sendo aguardado o seu arquivamento de plano."

Conforme o comunicado do TJ, "o juiz esclarece, ainda, no que se refere ao mérito das investigações, que os relatórios elaborados pelo Coaf foram objeto de criteriosa anĂĄlise pelo Ministério PĂșblico que constatou a inexistĂȘncia de variação patrimonial incompatĂ­vel com a sua renda".

Sobre o caso da juĂ­za Maria da Penha Nobre Mauro, o TJ do Rio afirmou, inicialmente, não haver "qualquer procedimento contra a magistrada" em trâmite. O Estadão apurou, porém, que nem o Ministério PĂșblico fluminense nem a desembargadora relatora do caso promoveram o arquivamento da investigação.

SIGILO. Procurada novamente, a assessoria do TJ do Rio disse que a informação sobre o andamento dos inquéritos foi checada somente com "os magistrados citados", que não possuem acesso nem conhecimento a respeito de processos que tramitam em sigilo. A reportagem questionou o TJ se poderia apontar uma eventual decisão para trancar o inquérito. A Corte não se manifestou.

Marco Antonio Reis Gomes e Charles William não foram localizados pela reportagem.

O desembargador Klever Loureiro afirmou que não é mais relator da ação da falĂȘncia da Laginha, do grupo João Lyra. Ele também disse que a "pretensão formulada contra este desembargador perante o CNJ jĂĄ foi devidamente analisada e arquivada por não ter constatado nenhuma infração de natureza administrativa e disciplinar", e que advogados visam "tumultuar a marcha processual" da falĂȘncia.

Uma reclamação de advogados foi, de fato, arquivada pelo CNJ. A reportagem, no entanto, se refere a uma correição em outro processo que tramita no colegiado. O conselho afirmou ao Estadão que, por estar em sigilo, não tem detalhes do andamento. "Só teremos alguma informação quando o processo for pautado." Questionado novamente sobre este procedimento, Loureiro não se manifestou.

DISPONIBILIDADE. O juiz Marcos Bernicchi não foi localizado. Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que o Bernicchi "estĂĄ em disponibilidade desde 8/7/2021". A pena de disponibilidade se refere ao afastamento do magistrado por dois anos.

O advogado CĂĄssio Rebouças, que defende o juiz Paulino Lourenço, disse que o magistrado é inocente e foi julgado "com base em presunções". "O magistrado, desde o inĂ­cio das investigações, colaborou como pôde e abriu mão de seus sigilos constitucionais e, mesmo assim, até o momento, não se respondeu quem teria pago o que ao juiz", declarou o advogado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: Isto É

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