Colega diz à polícia que aluno tentou se agarrar nele quando se afogava durante passeio de escola e achou que fosse brincadeira

Por Redação em 08/02/2022 às 17:46:03

Menino foi uma das testemunhas ouvidas pela polícia no inquérito que investigou a morte de Daniel Arruda, de 14 anos. Onze pessoas responsáveis pela excursão foram indiciadas. Daniel Hiarle Arruda de Oliveira, de 14 anos, morreu em excursão de escola

Arquivo pessoal

Um colega de Daniel Hiarlly Rodrigues de Arruda, de 14 anos, disse em depoimento à polícia que a vítima tentou se agarrar nele quando se afogava, mas ele achou que se tratava de uma brincadeira. O estudante morreu em uma das cachoeiras do Complexo Véu de Noiva, no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães (MT), no dia 6 de dezembro do ano passado, durante uma excursão da escola. A informação é do delegado Alexandre Nazareth, que investigou o caso.

O inquérito foi concluído e, nessa segunda-feira (7), indiciou 11 professores pela morte do estudante, disse que um dos colegas de Daniel achou que ele estava brincando e só se deu conta depois.

"Na ocasião em que se afogava, ele (Daniel) teria tocado nos pés e no calção de outro estudante e, como tinha muita gente, eles não notaram o desaparecimento de Daniel. Eles imaginavam que ele tinha mergulhado e saísse em outro local da cachoeira", contou.

O delegado disse ainda que os alunos só se deram conta de que havia acontecido algo com o estudante quando uma professora fez a chamada no ônibus escolar e ele não estava presente.

"Quando a professora fez a chamada um dos alunos percebeu que Daniel não estava lá e começou a chorar porque se deu conta de que ele pedia socorro naquele momento", disse.

Daniel com a mãe, Joceli

Arquivo pessoal

No decorrer do inquérito foram ouvidas a família do adolescente, professores e servidores que estiveram presentes na aula de campo, a direção da escola e estudantes que estiveram próximos à vítima.

Segundo a polícia, foram indiciados a diretora, coordenadores, agente de pátio e professores da Escola Estadual Welson de Mesquita Oliveira, de Cuiabá.

A Polícia Civil também ouviu funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), instituto que administra o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e é responsável por autorizar a entrada de visitantes no local.

Setenta e um estudantes participaram da aula de campo, em turmas monitoradas por professores. Durante o percurso, eles visitaram várias cachoeiras, entre elas a da Prainha em que Daniel se afogou.

Durante o passeio, Daniel e os outros dois colegas se separaram da turma, mas os outros dois foram encontrados em uma trilha momentos depois. E, então, começaram as buscas por ele.

Os professores acionaram o Corpo de Bombeiros, que o encontrou morto horas depois.

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Investigação

Uma das professoras ouvidas no inquérito e autora do projeto disse à polícia que a aula de campo foi idealizada com o objetivo de proporcionar conhecimento sobre a biodiversidade, aspectos cultural, biológico e histórico do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e conhecer o ponto turístico Véu de Noiva.

A descrição do projeto apontava que a visitação da turma de alunos seria mediante guia e as atividades consistiriam em observar, anotar e aprender, não havendo, atividade de aventura, como banho no circuito de cachoeiras.

O projeto acadêmico, segundo ela, foi revisado pela diretora da escola e passou pela equipe gestora da unidade. Também teve a aprovação da representante do Conselho Deliberativo Escolar, que em assembleia pedagógica, avaliou a aula de campo em debate, mas fez os apontamentos que julgou necessários e, depois de vê-los atendidos, votou pela aprovação.

A representante do conselho declarou ainda a atividade de banho, não só ocorreria, como era um fato de conhecimento na escola, tanto é que um inspetor passou nas salas de aula dando orientações sobre o que levar e o tipo de roupa que deveriam vestir.

Entretanto, a presidente do conselho disse em depoimento que acredita que a diretora e os coordenadores tinham conhecimento extracurricular sobre o banho e que, depois de ter acesso ao projeto, observaram que, no documento, não estava previsto a atividade.

Três professores que integram a equipe gestora da escola disseram que o projeto foi encaminhado para apreciação deles em uma assembleia realizada no dia 11 de novembro, onde possuíam poder de veto.

Contrariando declarações feitas à Polícia Civil anteriormente, os professores alegaram desconhecimento sobre a permissão de banho aos alunos no circuito das cachoeiras, se embasando no fato de que não estava especificado no projeto.

Um dos professores responsável pela condução de um dos grupos de estudantes disse que a turma que estava sob sua supervisão tomaram banho nas Cachoeiras das Andorinhas e da Prainha.

Ele declarou também que fez varredura das cachoeiras, demonstrando pessoalmente a profundidade de cada uma delas, antes dos alunos entrarem e que apenas os estudantes que sabiam nadar foram autorizados a ir até a parte mais funda e que a seleção de quem sabia nadar ou não foi realizada mediante pergunta ao grupo, seguida de observação de cada um deles.

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Cachoeira da Prainha

Conforme declarou uma das professoras, na Cachoeira da Prainha se reuniram três grupos de alunos fazendo com que o total excedesse a 30 pessoas, contrariando a orientação do ICMBio de que o trânsito nas trilhas deveria ser de grupos de até 15 pessoas, além de outros alertas quanto à preservação do ambiente e cuidados para com a profundidade dos poços formados pelas quedas d'águas.

Apuração realizada pela equipe de investigação na trilha das cachoeiras do parque aponta que há sinalização das trilhas autoguiadas da unidade de conservação, com destaque a placa indicativa do limite máximo de 24 pessoas para a Cachoeira da Prainha.

Daniel fazia parte de um grupo de 15 alunos monitorado por um professor e que ao chegarem à Cachoeira da Prainha, orientou que apenas os estudantes que soubessem nadar, entrassem na água, e a maioria dos alunos entrou na cachoeira.

O professor declarou que não viu o momento em que Daniel entrou na cachoeira e nem mesmo quando imergiu na água.

Disse ainda que durante o tempo em que ele e os outros professores permaneceram na Prainha não notaram o desaparecimento do adolescente e que antes de sair do ponto turístico e ir para a cachoeira das Andorinhas, o professor chegou a perguntar se estavam todos os alunos reunidos para dar seguimento à visitação, quando os alunos responderam afirmativamente.

Somente após retornarem para o estacionamento, onde estavam os ônibus, uma das professoras notou a falta de Daniel Hiarlly.

Vários estudantes foram ouvidos pelo delegado Alexandre Nazareth e declararam que a permissão para o banho no circuito das cachoeiras era fato manifesto no ambiente escolar, pois alguns professores chegaram a fazer recomendações antecipadas sobre o tipo de vestimenta adequada.

Alguns alunos disseram ainda que colegas praticaram malabarismos em zona profunda do curso d'água, como pular de tronco de árvore e pedra que o margeavam, sem nenhum equipamento de proteção individual ou coletivo.

O corpo do adolescente foi localizado a três metros de profundidade na cachoeira da Prainha e resgatado pelo Corpo de Bombeiros.

Cachoeira da Prainha, em Chapada dos Guimarães

Rafaela Zanol/ Secom-MT

Conclusão do inquérito

Com base no material coletado, perícias e depoimentos, o inquérito concluiu que houve um encadeamento de erros durante a execução da aula de campo, pois não foi observado equipamentos de proteção individuais e coletivos e nem protocolos de monitoramento da permanência do usuário no ambiente natural.

“A equipe de educadores só deu falta de Daniel três horas depois do incidente e mesmo que houvesse monitores, era em número insuficiente para o quantitativo de alunos e não eram especializados em salvamento aquático nem traziam consigo equipamentos. Além disso, a permanência simultânea de banhistas extrapolou o limite estabelecido na placa indicativa. Somado a isso, corrobora juntamente a ausência de um plano de atendimento emergencial ou de processo de gestão de riscos”, apontou o delegado.

Ele explica que ainda que os professores não pudessem prever a morte do adolescente por afogamento, era previsível que a permissão de banho simultâneo de 71 alunos, supervisionados por apenas seis monitores, em águas com profundidade e sem equipamentos de proteção, pudesse resultar em acidente fatal com qualquer um dos participantes do evento.

“A aula de campo nesse caso mais se aproximou de um turismo de aventura, logo os educadores assumiram a responsabilidade de garantes, monitores, condutores, salva-vidas, pois agiram como se os fossem. Tanto é que declararam saber nadar e disseram ter realizado varredura nas quedas d'águas para demonstrar a profundidade aos discentes. Sendo assim, embora não quisessem o resultado morte, os educadores, com seus comportamentos precedentes, assumiram a responsabilidade de impedi-lo quando se colocaram na condição de garantes; ao mesmo tempo, criaram ou incrementaram o risco da ocorrência do referido incidente”, finalizou o delegado.

Jocely Mara de Oliveira, mãe de Daniel, pede justiça

Arquivo pessoal

Família de Daniel

A mãe da vítima, Jocely Mara de Oliveira, afirmou que acredita que a morte do filho não foi acidental.

“Espero por justiça. Quero que seja esclarecido o que aconteceu com meu filho. Soube que ele tentou se segurar na calça de um colega e pediu socorro. Porque as pessoas que estavam com ele não o socorreu? É mentira atrás de mentira”, questionou.

Jocely disse que ainda tenta se recuperar, mas que os dias sem Daniel e sem uma resposta sobre o que aconteceu com ele têm sido difíceis para ela.

“É uma dor que eu jamais imaginei sentir. Faço almoço, só porque eu sei que minha filha e meu marido precisam comer. Eu não como direito, como pouco só para não ficar doente, pois eu quero ver o que vai acontecer. Quero saber o que aconteceu com meu filho”, pontuou.

Fonte: G1

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