Balanço do "busão", relógio parado, agressão e título: personagens contam bastidores da Taça de Prata do UEC

Por Redação em 03/11/2022 às 08:46:10

No centenário do clube, o ex-jogador Maurinho, meia do time campeão, e jornalista Odival Ferreira relembraram as histórias do jogo O Uberlândia chegou à Taça de Prata de 1984 com a ideia de ser um coadjuvante. De vitória a vitória, o Verdão ganhou confiança e chegou à decisão que teve todos os ingredientes possíveis: transporte precários, torcida adversária balançando ônibus, cronômetro do estádio parado, confusão e o ingrediente principal: o troféu de campeão.

A TV Integração conversou com o ex-jogador Maurinho, meia do time campeão e com o jornalista Odival Ferreira, que narrou a decisão contra o Remo, em Belém. Eles contaram os bastidores daquela competição.

Maurinho lembrou do início da campanha e quando os jogadores viraram a chave até o título. O ex-jogador do Uberlândia e o jornalista relembraram o episódio do cronômetro do placar eletrônico.

O meia falou ainda sobre as duas finais e a nota triste da história: a acusação - que foi negada pela Justiça - do envolvimento de jogadores do Verdão na morte de um torcedor do Remo no jogo em Belém. Leia os relatos abaixo.

Era só um calendário

– O UEC entrou para cumprir um calendário de final de ano, seis meses. Mas sem esperança, existia primeira uma seletiva para ver se o Uberlândia classificaria para Série B, a Taça de Prata. Fizemos um torneio aqui e, na final, ficamos nós e o América e os dois foram convidados para a Série B, a Taça de Prata – relembra Marinho.

Maurinho, ex-jogador do Uberlândia Esporte

Reprodução/TV Integração

– Começou regionalizada e o Uberlândia foi passando. Eliminamos Itumbiara, Uberaba, América-MG. Quando vimos que a coisa começou a ficar séria foi contra o Guarani.

Queda da dupla campineira

"[Contra o Guarani foi] Uma passagem que nos marcou muito. Era um jogo aqui e outro no Brinco de Ouro. O Guarani tinha Neto, Júlio César, Renato, aquele timão. Jogamos um sábado de Carnaval aqui no estádio [em Uberlândia] e empatamos o jogo. Nós dentro do vestiário pedimos ao treinador dois dias para a gente se divertir com a família, pular carnaval e ele negou.

Insistimos, mas ele disse que a gente tinha que treinar. Nem ele acreditava que a gente ia passar. Tinha o jogo no outro domingo contra o Guarani, a imprensa toda caindo de pau em cima do treinador que nos liberou. Voltaríamos na terça para treinar. Neste período foram só críticas. Não ganhamos aqui, também não ganharíamos nunca no Brinco de Ouro pela qualidade do time do Guarani.

E foi ao contrário: chegamos lá e ganhamos de 2 a 0. Dentro do vestiário falamos: "A coisa ficou séria mesmo, vamos focar nesta competição porque temos tudo para ser campeão".

Jornal com o jogo Guarani e Uberlândia pela Taça de Prata em 1984

Reprodução/Correio de Uberlândia

Não é que a gente estava com má vontade na competição, mas vimos que tínhamos qualidade para sermos campeões. Eliminamos os dois grandes de Campinas, também eliminamos a Ponte Preta. Ali caímos na real e chegou onde chegamos".

Decisão

"Chegou a final. No Parque do Sabiá não cabia nem um mosquitinho. Primeiro jogo aqui, o segundo lá. Se houvesse um vencedor aqui e outro lá teria a terceira partida em Belém na quarta-feira. Então, tínhamos que ganhar.

Foi um jogo muito truncado, a gente perdendo muito gol, a bola não entrava, o torcedor ficando impaciente, pois estava acostumado a ver o time vencer em casa. E a gente não conseguia.

Dentro de campo a gente via o torcedor saindo. Nos deixava preocupado, porque tínhamos que ganhar. No finalzinho, aos 45, o Chiquinho pegou uma bola na lateral e cruzou. Interessante que a bola veio, o Vivinho pegou de primeira no meio de dois zagueiros. Pelo posicionamento do corpo dele, teria que bater com a perna esquerda, mas ele chutou com a direita. Parece que estava escrito nas estrelas.

Ganhamos o jogo, vi torcedor pulando dentro do poço. Teve torcedor que morreu, infelizmente, de emoção. Depois viajaríamos para a grande final que seria na casa dos caras".

Preparação até Belém

Na semana toda ficamos na expectativa da final. O Remo com vantagem que teria o terceiro jogo lá se ganhassem da gente. Mas o time do Uberlândia, não tem explicação pela união, tudo dando certo com a gente. A postura dos jogadores, ninguém saía da linha que a gente impôs na época. Tinha o Zecão como líder, o Moacir, Batata, Carlos Roberto que eram os mais velhos que que não deixam ninguém sair dos trilhos. Nos preparamos a semana toda e viajamos para Belém.

Atlético-MG, Cruzeiro e América-MG tinham sido eliminados da Taça de Ouro e a imprensa mineira estava cobrindo o Uberlândia. Em Belém, a imprensa de lá deu a notícia de que tinham acabado de chegar os mineiros 'caipiras'.

Foram entrevistar o presidente que ainda brincou: 'Somos caipiras mesmo, amanhã vamos fumar um cigarro de palha com o troféu de campeão'.

Clima do jogo

Aquilo foi criando um clima muito ruim dentro da expectativa do jogo. Nós chegamos na hora do almoço e a tarde faríamos uma treinamento no campo do Paysandu para depois descansar para o jogo no domingo.

Dentro do período que a gente estava treinando, a gente apenas dava entrevista para imprensa mineira e de Uberlândia. Não falávamos nada com o pessoal de Belém. E criou um clima ruim.

Quando chegamos no aeroporto de Belém, no sábado, tínhamos ido com um ônibus bacana, bonito, com TV, aquele esquema todo. Acabou o treinamento, fomos para o hotel e ficamos Vivinho e eu no quarto.

Quando ligamos o rádio da cabeceira da cama e eles falavam do terceiro jogo, o da quarta-feira. Não falavam do segundo não, o de domingo. A gente dava risada e falávamos: 'mas vai ter só esse jogo de amanhã, vamos ganhar dos caras aqui'.

E aquele clima ruim: a gente ficava na porta do hotel os caras jogavam bomba, passavam por lá e xingavam a gente que ficava mais dentro do quarto a espera do jogo.

No dia do jogo, a gente esperava o ônibus que nos pegou no sábado, aquele bonito. Quando chegamos, era um destes ônibus de rua, com aquelas cadeiras duras. Demos risada, mas vamos para o jogo.

Chegando no Estádio, não sei se hoje tem no Magueirão um estacionamento para os ônibus do visitante entrarem, mas na época não tinha, era uma portinha lá.

Quando chegamos com esse ônibus, a torcida lotou em volta. Eles balançavam e a gente ficava balançando dentro feito um boneco.

Era interessante que não tinha aquele negócio de assustar ou com medo da partida. Por incrível que pareça, nos deu mais força para enfrentar os caras. A polícia fez um cordão e entramos no vestiário dando risada, vendo a loucura do torcedor do Remo".

O jogo

"Fomos para o jogo. Um estádio com 80 mil pessoas e parecia que os caras iam cair em cima da gente. Aquele caldeirão mesmo. O time do Remo era uma grande equipe também, como a nossa. O Uberlândia nos contra-ataques pelos lados com o Geraldo, comigo, a gente tentando fazer os gols.

Eles tinham um centro-avante muito forte, um biotipo forte, que explorava bem as jogadas. Ele girava, batia e o Moacir pegava. Quando não estava o Moacir, pegava no Zecão debaixo da trave que tirava o gol. Daí vi que não poderíamos tomar o gol senão, realmente, teria a terceira partida na quarta".

Cronômetro parado

"No placar eletrônico, quando deu 40 minutos, os diretores do Remo pararam o cronômetro do placar eletrônico. O juiz não foi pelo placar, foi pelo dele. Quando o juiz apitou o fim do jogo e o Uberlândia foi campeão, eles soltaram o placar eletrônico. Daí estava lá 41 minutos, mas o árbitro terminou o jogo.

"Ia tudo normal, dentro do script, digamos assim, até o momento em que eu olhei o placar e vi que o cronômetro lá não coincidia com o meu. Eu alertei: “Deu problema no cronômetro do estádio”, no jogo lá em Belém. Deu no que deu. Todo mundo conhece a história. O árbitro encerrou o jogo e lá estava marcando 30 e alguma coisa ainda. Houve aquela revolta, invasão de campo, briga, empurra-empurra...", lembrou o jornalista Odival Ferreira.

Odival Ferreira, jornalista e radialista de Uberlândia

Caroline Aleixo

Confusão e morte

"Os torcedores começaram a entrar no campo e, na época, naquela euforia nossa, da imprensa de BH, e de Uberlândia, fomos dar uma volta olímpica com o troféu. Quando o Batata, que era o capitão na época, recebeu o troféu, veio um cara, do nada, e deu um soco nele.

A polícia chegou e chutou o cara, pisoteou e a gente correndo. E o cara que deu um soco no Batata caído no gramado. Eu tirava minha camisa suada e acertava nos caras que entraram no campo para nos agredir.

"Morreu um cidadão e jogaram a culpa no coitado do Batata e do Luizinho. Então foi isso, no dia 1º de abril, e eu disse 'No Dia da Mentira acontece essa verdade incrível aqui'", relembrou Odival.

Chegamos no vestiário a gente gritando "é campeão" e chegou um policial com a notícia e acusando eu, Batata e Luizinho de ter matado o torcedor.

Para sair de lá foi uma dificuldade grande. Torcedores jogando bomba lá dentro, quebrando a porta do vestiário, nosso presidente dizendo para a polícia que ninguém iria preso, aquela confusão. Nós ficamos umas duas horas presos no vestiário com a proteção da polícia. O ônibus que nos tinha levado para o estádio os caras tinham botado fogo".

Acusações

"Fomos para o quartel da PM no ônibus deles, um microônibus. As janelas todas tampadas. Quando abria um pouquinho, a gente via os torcedores nas ruas revoltados querendo nos pegar. Achando que os jogadores tinham culpa na morte do torcedor.

Chegando no quartel, tivemos que fazer exames. Tudo para tentar melar nosso título que foi suado e merecido pela campanha e qualidade dos jogadores.

Viemos embora. Saímos no outro dia cedo, pegamos o voo de volta, mas o Batata e o Luizinho ficaram lá no quartel presos. Ficaram uma semana e voltaram.

Marcou porque foi notícia nacional e marcou para o Uberlândia. Quando disputamos a Taça de Ouro o pessoal falava: 'Ao time dos assassinos', 'Aos caras que mataram o torcedor', as torcidas adversárias gritavam 'assassinos".

Mas a gente fez uma bela campanha, fomos eliminados pelo Vasco".

Reconhecimento

"É o maior título que o UEC tem na história. A gente conta estes fatos que aconteceram, mas vejo que teria que ter uma valorização por este pessoal. Pelo que nós passamos, pelo que lutamos para honrar a camisa do UEC. Não tem preço.

Do titular ao roupeiro deveria ter um tratamento melhor, o Uberlândia chamar os caras para participarem mais. É muito chato você querer fazer uma homenagem quando morre. A gente tem que fazer homenagem e reconhecer em vida. Temos alguns vivos, mas o tempo está passando.

Infelizmente, Deus levou o Batata, o Zecão, o Vivinho e presidente. Tem uma turma que a gente reza todo dia para que tenham saúde. Vai ficar gravado na história".

Fonte: Globo Esporte/G1

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