O corregedor-geral da Justiça Eleitoral e relator da ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministro Benedito Gonçalves, votou nesta terça-feira, 27, pela inelegibilidade por oito anos do ex-presidente.
O prazo de inelegibilidade seria contado a partir das eleições gerais de 2022, o que significa que o ex-presidente, que tem 68 anos, só poderia voltar a disputar eleições em 2030. O julgamento prosseguirĂĄ nesta quinta-feira, quando os demais seis integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverão se manifestar.
Num discurso com palavras fortes, Gonçalves considerou que Bolsonaro cometeu abuso de poder polĂtico e fez uso indevido dos meios de comunicação. O juiz isentou o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.
De acordo com o voto do relator, houve responsabilidade direta e pessoal de Bolsonaro ao praticar "conduta ilĂcita em benefĂcio de sua candidatura à reeleição", em referĂȘncia à reunião com embaixadores estrangeiros, no PalĂĄcio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, que deu origem à ação.
"O conteĂșdo comunicado às embaixadas e aos embaixadores não tinha qualquer aptidão para dissipar pontos obscuros, mas sim levantar um estado de paranoia coletiva", afirmou Gonçalves.
"Não é possĂvel fechar os olhos para os efeitos antidemocrĂĄticos de discursos violentos e de mentiras que colocam em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral", prosseguiu.
Segundo ele, Bolsonaro disse "mentiras atrozes" sobre o processo eleitoral brasileiro, mesmo após perder as eleições de outubro, "a fim de manter as suas bases polĂticas mobilizadas".
O ministro rejeitou o pedido da defesa de Bolsonaro para que fosse retirada do processo a chamada "minuta do golpe", um esboço de decreto que teria como objetivo reverter o resultado das eleições promovendo uma intervenção no tribunal eleitoral e que foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
A defesa do ex-presidente argumenta que a minuta trata de fatos posteriores à reunião com os embaixadores e, por isso, deveria ser desconsiderada pelo TSE.
Ao rejeitar a exclusão da "minuta do golpe" do processo, o ministro afirmou que "a reunião de 18 de julho de 2022 não é uma fotografia na parede, mas um fato a ser analisado com contexto", para a compreensão do qual podem contribuir provas posteriores ao caso.
Para o ministro, o esboço de decreto é "golpismo em sua essĂȘncia".
Nesta quinta-feira, deverão se manifestar os ministros do TSE Raul AraĂșjo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, CĂĄrmen LĂșcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, presidente do tribunal.
O ministro reforçou que, no evento com embaixadores, o discurso de Bolsonaro foi construĂdo para difundir informações falsas com o intuito de convencĂȘ-los de que havia um grave risco de fraude nas eleições de 2022 e que o então presidente da RepĂșblica, em simbiose com as Forças Armadas, estava numa cruzada contra a democracia do paĂs.
Gonçalves enfatizou que o encontro, organizado com a clara intenção de desqualificar o sistema eleitoral, foi transmitido ao vivo tanto pela TV Brasil quanto pelos redes sociais de Bolsonaro, "alcançando ampla repercussão" e culminando na remoção do vĂdeo por iniciativa da plataforma YouTube.
O relator acrescentou que o candidato estava ciente da popularidade desse tipo de conteĂșdo na internet e utilizou a condição para gerar engajamento e manter uma mobilização polĂtica de carĂĄter passional incapaz de aceitar contestações vindas de fora da bolha de seguidores.
Para o ministro, houve "difusão deliberada e massificada, por meio de emissora pĂșblica e das redes sociais", de desinformação sobre o sistema eletrônico de votação e sobre a governança eleitoral brasileira em benefĂcio da candidatura de Bolsonaro.
Quanto ao abuso de poder polĂtico, o corregedor-geral afirmou que Bolsonaro teve uma conduta "aberrante" ao usar o poder simbólico de presidente da RepĂșblica e a posição de chefe de Estado para "degradar o ambiental eleitoral".
De acordo com o ministro, ao proferir falas sem qualquer embasamento técnico com o Ășnico objetivo de confrontar o TSE, Bolsonaro violou ostensivamente as obrigações de presidente da RepĂșblica listadas na Constituição, em especial o dever de zelar pelo livre exercĂcio dos TrĂȘs Poderes, pelo exercĂcio dos direitos polĂticos e pela segurança do paĂs.
O ministro destacou ainda que, de forma intencional, Bolsonaro desprezou o "farto material" produzido pelo TSE sobre o funcionamento das urnas, optando por exercitar, perante os chefes das missões diplomĂĄticas, a mesma prĂĄtica discursiva utilizada em lives nas redes sociais para reafirmar a desconfiança infundada na atuação da suprema corte eleitoral.
Tudo isso, segundo Gonçalves, configura abuso de poder polĂtico, pois Bolsonaro "fez uso de sua posição de presidente da RepĂșblica, de chefe de Estado e de comandante supremo das Forças Armadas para potencializar os efeitos da massiva desinformação a respeito das eleições brasileiras apresentada à comunidade internacional e ao eleitorado".
Bolsonaro é acusado de cometer abuso de poder polĂtico e de usar indevidamente os meios de comunicação durante uma reunião que ele, então pré-candidato, organizou com embaixadores estrangeiros no PalĂĄcio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, e na qual fez vĂĄrios ataques infundados à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, em especial às urnas eletrônicas.
Na reunião com os embaixadores, Bolsonaro fez uma série de acusações mentirosas e sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro. Ele repetiu teorias fantasiosas sobre as urnas eletrônicas, atacou ministros do Poder JudiciĂĄrio e declarou que o TSE deveria acatar "sugestões de transparĂȘncia" feitas pelas Forças Armadas. O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido ao vivo pela TV Brasil e em redes sociais.
Na época, o jornal The New York Times chegou a publicar que diplomatas ficaram abalados e incomodados com as falas de Bolsonaro.
Depois da reunião com os embaixadores, jĂĄ em agosto de 2022, o PDT moveu uma "ação de investigação judicial eleitoral" contra Bolsonaro. O partido – que tinha Ciro Gomes como candidato à PresidĂȘncia – afirmou que o então presidente praticou abuso de poder polĂtico.
Segundo o TSE, o abuso de poder polĂtico ocorre quando aquele que detém o poder se aproveita da sua posição "para agir de modo a influenciar o voto do eleitor".
O PDT argumentou ainda que Bolsonaro fez uso indevido do aparato estatal, jĂĄ que a reunião ocorreu no PalĂĄcio da Alvorada e foi transmitida na Ăntegra pela TV Brasil, que é pĂșblica. A legislação brasileira proĂbe candidatos que buscam a reeleição de usar a estrutura estatal e a mĂĄquina pĂșblica em seu proveito.
A ação também apontou para o uso indevido de meios de comunicação social, jĂĄ que Bolsonaro usou suas redes sociais para divulgar os ataques ao sistema eleitoral. O PDT argumenta que o ex-presidente visava ganhos eleitorais com a publicação das imagens, até porque ele parecia ter o apoio dos paĂses representados na reunião.
Ou seja, o encontro com embaixadores em BrasĂlia foi uma das peças de campanha eleitoral que compuseram a narrativa criada por Bolsonaro de que as urnas eletrônicas podiam ser fraudadas.
A investigação coletou depoimentos e provas. O vĂdeo da reunião com os embaixadores é a principal delas. Ele foi entregue pelo próprio PDT quando moveu a ação.
Outra prova incluĂda no processo foi a chamada "minuta do golpe", apreendida pela PolĂcia Federal. O documento é o rascunho de um decreto presidencial com o qual Bolsonaro instauraria Estado de Defesa e realizaria uma intervenção na sede do TSE em caso de derrota nas eleições. Ele foi encontrado na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça e Segurança PĂșblica de Bolsonaro.
Essa minuta pode reforçar o entendimento de que ameaças golpistas eram recorrentes no governo passado – e inclusive envolviam outros órgãos de Estado.
Fonte: Isto Ă