O que argumentou o relator ao votar pela inelegibilidade de Bolsonaro

Por Redação em 28/06/2023 às 10:24:03

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral e relator da ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministro Benedito Gonçalves, votou nesta terça-feira, 27, pela inelegibilidade por oito anos do ex-presidente.

O prazo de inelegibilidade seria contado a partir das eleições gerais de 2022, o que significa que o ex-presidente, que tem 68 anos, só poderia voltar a disputar eleições em 2030. O julgamento prosseguirĂĄ nesta quinta-feira, quando os demais seis integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverão se manifestar.

Num discurso com palavras fortes, Gonçalves considerou que Bolsonaro cometeu abuso de poder polĂ­tico e fez uso indevido dos meios de comunicação. O juiz isentou o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.

De acordo com o voto do relator, houve responsabilidade direta e pessoal de Bolsonaro ao praticar "conduta ilĂ­cita em benefĂ­cio de sua candidatura à reeleição", em referĂȘncia à reunião com embaixadores estrangeiros, no PalĂĄcio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, que deu origem à ação.

"O conteĂșdo comunicado às embaixadas e aos embaixadores não tinha qualquer aptidão para dissipar pontos obscuros, mas sim levantar um estado de paranoia coletiva", afirmou Gonçalves.

"Não é possĂ­vel fechar os olhos para os efeitos antidemocrĂĄticos de discursos violentos e de mentiras que colocam em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral", prosseguiu.

Segundo ele, Bolsonaro disse "mentiras atrozes" sobre o processo eleitoral brasileiro, mesmo após perder as eleições de outubro, "a fim de manter as suas bases polĂ­ticas mobilizadas".

"Minuta do golpe"

O ministro rejeitou o pedido da defesa de Bolsonaro para que fosse retirada do processo a chamada "minuta do golpe", um esboço de decreto que teria como objetivo reverter o resultado das eleições promovendo uma intervenção no tribunal eleitoral e que foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

A defesa do ex-presidente argumenta que a minuta trata de fatos posteriores à reunião com os embaixadores e, por isso, deveria ser desconsiderada pelo TSE.

Ao rejeitar a exclusão da "minuta do golpe" do processo, o ministro afirmou que "a reunião de 18 de julho de 2022 não é uma fotografia na parede, mas um fato a ser analisado com contexto", para a compreensão do qual podem contribuir provas posteriores ao caso.

Para o ministro, o esboço de decreto é "golpismo em sua essĂȘncia".

Nesta quinta-feira, deverão se manifestar os ministros do TSE Raul AraĂșjo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, CĂĄrmen LĂșcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes, presidente do tribunal.

Estes foram os argumentos do relator:

  • Uso indevido dos meios de comunicação

O ministro reforçou que, no evento com embaixadores, o discurso de Bolsonaro foi construĂ­do para difundir informações falsas com o intuito de convencĂȘ-los de que havia um grave risco de fraude nas eleições de 2022 e que o então presidente da RepĂșblica, em simbiose com as Forças Armadas, estava numa cruzada contra a democracia do paĂ­s.

Gonçalves enfatizou que o encontro, organizado com a clara intenção de desqualificar o sistema eleitoral, foi transmitido ao vivo tanto pela TV Brasil quanto pelos redes sociais de Bolsonaro, "alcançando ampla repercussão" e culminando na remoção do vĂ­deo por iniciativa da plataforma YouTube.

O relator acrescentou que o candidato estava ciente da popularidade desse tipo de conteĂșdo na internet e utilizou a condição para gerar engajamento e manter uma mobilização polĂ­tica de carĂĄter passional incapaz de aceitar contestações vindas de fora da bolha de seguidores.

Para o ministro, houve "difusão deliberada e massificada, por meio de emissora pĂșblica e das redes sociais", de desinformação sobre o sistema eletrônico de votação e sobre a governança eleitoral brasileira em benefĂ­cio da candidatura de Bolsonaro.

  • Abuso de poder polĂ­tico

Quanto ao abuso de poder polĂ­tico, o corregedor-geral afirmou que Bolsonaro teve uma conduta "aberrante" ao usar o poder simbólico de presidente da RepĂșblica e a posição de chefe de Estado para "degradar o ambiental eleitoral".

De acordo com o ministro, ao proferir falas sem qualquer embasamento técnico com o Ășnico objetivo de confrontar o TSE, Bolsonaro violou ostensivamente as obrigações de presidente da RepĂșblica listadas na Constituição, em especial o dever de zelar pelo livre exercĂ­cio dos TrĂȘs Poderes, pelo exercĂ­cio dos direitos polĂ­ticos e pela segurança do paĂ­s.

O ministro destacou ainda que, de forma intencional, Bolsonaro desprezou o "farto material" produzido pelo TSE sobre o funcionamento das urnas, optando por exercitar, perante os chefes das missões diplomĂĄticas, a mesma prĂĄtica discursiva utilizada em lives nas redes sociais para reafirmar a desconfiança infundada na atuação da suprema corte eleitoral.

Tudo isso, segundo Gonçalves, configura abuso de poder polĂ­tico, pois Bolsonaro "fez uso de sua posição de presidente da RepĂșblica, de chefe de Estado e de comandante supremo das Forças Armadas para potencializar os efeitos da massiva desinformação a respeito das eleições brasileiras apresentada à comunidade internacional e ao eleitorado".

Ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral
Ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral (Crédito:Alejandro Zambrana/Secom/TSE)


A ação julgada pelo TSE

Bolsonaro é acusado de cometer abuso de poder polĂ­tico e de usar indevidamente os meios de comunicação durante uma reunião que ele, então pré-candidato, organizou com embaixadores estrangeiros no PalĂĄcio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, e na qual fez vĂĄrios ataques infundados à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, em especial às urnas eletrônicas.

Na reunião com os embaixadores, Bolsonaro fez uma série de acusações mentirosas e sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro. Ele repetiu teorias fantasiosas sobre as urnas eletrônicas, atacou ministros do Poder JudiciĂĄrio e declarou que o TSE deveria acatar "sugestões de transparĂȘncia" feitas pelas Forças Armadas. O evento durou cerca de 50 minutos e foi transmitido ao vivo pela TV Brasil e em redes sociais.

Na época, o jornal The New York Times chegou a publicar que diplomatas ficaram abalados e incomodados com as falas de Bolsonaro.

Depois da reunião com os embaixadores, jĂĄ em agosto de 2022, o PDT moveu uma "ação de investigação judicial eleitoral" contra Bolsonaro. O partido – que tinha Ciro Gomes como candidato à PresidĂȘncia – afirmou que o então presidente praticou abuso de poder polĂ­tico.

Segundo o TSE, o abuso de poder polĂ­tico ocorre quando aquele que detém o poder se aproveita da sua posição "para agir de modo a influenciar o voto do eleitor".

O PDT argumentou ainda que Bolsonaro fez uso indevido do aparato estatal, jĂĄ que a reunião ocorreu no PalĂĄcio da Alvorada e foi transmitida na Ă­ntegra pela TV Brasil, que é pĂșblica. A legislação brasileira proĂ­be candidatos que buscam a reeleição de usar a estrutura estatal e a mĂĄquina pĂșblica em seu proveito.

A ação também apontou para o uso indevido de meios de comunicação social, jĂĄ que Bolsonaro usou suas redes sociais para divulgar os ataques ao sistema eleitoral. O PDT argumenta que o ex-presidente visava ganhos eleitorais com a publicação das imagens, até porque ele parecia ter o apoio dos paĂ­ses representados na reunião.

Ou seja, o encontro com embaixadores em BrasĂ­lia foi uma das peças de campanha eleitoral que compuseram a narrativa criada por Bolsonaro de que as urnas eletrônicas podiam ser fraudadas.

A investigação coletou depoimentos e provas. O vĂ­deo da reunião com os embaixadores é a principal delas. Ele foi entregue pelo próprio PDT quando moveu a ação.

Outra prova incluĂ­da no processo foi a chamada "minuta do golpe", apreendida pela PolĂ­cia Federal. O documento é o rascunho de um decreto presidencial com o qual Bolsonaro instauraria Estado de Defesa e realizaria uma intervenção na sede do TSE em caso de derrota nas eleições. Ele foi encontrado na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça e Segurança PĂșblica de Bolsonaro.

Essa minuta pode reforçar o entendimento de que ameaças golpistas eram recorrentes no governo passado – e inclusive envolviam outros órgãos de Estado.

Fonte: Isto É

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